A crise de identidade das marcas
Para chamar a atenção, empresas mudam de conceito e de identidade na mesma velocidade em que influenciadores mudam de roupas
Para chamar a atenção, empresas mudam de conceito e de identidade na mesma velocidade em que influenciadores mudam de roupas
Houve um tempo em que as empresas e os profissionais de marketing confiavam as decisões sobre comunicação exclusivamente às agências. Essa época nostálgica talvez nunca tenha de fato existido, como retratada na série Mad Men. Fato é que hoje vivemos em tempos diferentes. Os profissionais das empresas estão mais envolvidos nos projetos, as agências não têm mais a autoridade máxima nas ideias e campanhas. Os projetos são mais colaborativos. As ideias de campanhas surgem, muitas vezes, em conversas entre diversas áreas e entre agência e cliente. Pontos muito positivos para criar campanhas que tenham mais responsabilidade, objetividade e que, de fato, comuniquem com quem precisam comunicar.
Mas nem tudo é positivo. O avanço tecnológico dos anos 1990, a mobilidade dos anos 2000 e a agilidade do Vale do Silício mudaram muito o jeito de criar. As campanhas muitas vezes deixaram de ser anuais. Para alguns clientes, como os varejistas, se tornaram semanais e até diárias. A velocidade de comunicação e o traqueamento digital com foco em performance e resultado virou um novo padrão. “Não temos mais tempo para isso, gente! Precisamos colocar a campanha no ar até o fim da semana!” Prazos que antigamente seriam impossíveis, hoje são necessários. Campanhas que antes tinham desdobramentos de mídia impressa, hoje se transformam em milhares de formados diferentes no mundo digital. Talvez seja mais rápido, hoje, desdobrar uma campanha com centenas de peças do que era antes possível criar algumas poucas peças finalizadas para poucos veículos impressos. Hoje, tudo é possível.
Será mesmo?
Claro que a velocidade prejudica a criatividade. Errar fazia parte da inovação. Se o projeto de pintura de Michelangelo da Capela Sistina fosse pensado, hoje, provavelmente, não aconteceria. Os quatro anos que foram necessários, provavelmente se transformariam em poucos dias. A pressa é um grande prejuízo para o mercado como um todo. A necessidade de sempre estar presente em diferentes plataformas com efetividade.
Talvez o sintoma mais preocupante disso tudo seja a falta de identidade das marcas.
Marcas fortes se criam com consistência, com um posicionamento forte e campanhas conectadas a esse posicionamento, sempre feitas com um visual que respeite uma identidade.
A necessidade de as marcas terem uma identidade e um posicionamento nasceu de forma absolutamente estratégica. É mais rentável ter essa consistência. Se você muda de visual e de estilo todo dia, ninguém consegue entender bem quem você é. A identidade faz parte da estratégia e talvez seja um dos aspectos mais importantes.
No desespero de chamar a atenção de um público cada vez mais conectado às redes e mais acostumado às mudanças, as marcas estão se reinventando. Isso é ótimo e necessário, o problema é a velocidade que algumas marcas estão fazendo isso. Para chamar a atenção, as empresas mudam de conceito e de identidade na mesma velocidade em que os influenciadores mudam de roupas. Muitas marcas já não são mais reconhecidas, não têm mais uma cara. Elas têm a cara que o público tem. E isso muda a todo momento.
As marcas que entendem o momento e conseguem surfar nesse território dinâmico, de forma consistente, e sem mudar seu foco, hoje são as mais amadas. São as marcas reconhecíveis. Mudar de forma rápida, hoje, virou o nome do negócio. Mas perder a identidade para aumentar a visibilidade e garantir a performance ao longo do tempo derruba o awareness e torna as marcas cada vez mais efêmeras, sem valor e mais parecidas umas com as outras.
Vivemos uma era de crise de identidade das marcas. As que entenderem isso e souberem conviver de forma criativa e consistente nesse novo mundo serão as marcas que encantarão seus clientes por mais tempo.
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