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A cultura de aprender com os erros

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Opinião

A cultura de aprender com os erros

Lógica que funciona bem entre os americanos ainda assusta executivos de mídia latino


3 de maio de 2022 - 6h26

O problema, no Brasil, parece ser consequência da exigência de que tudo funcione por toque de mágica, diz Tessler Só que não deveria ser assim (Crédito: Apghedia/ Shutterstock)

Há uns três ou cinco anos, o diretor de licenciamento de conteúdos do The New York Times, Michael Greenspon, surpreendeu a plateia lotada de executivos latino-americanos, em um encontro da Sociedade Interamericana de Imprensa, em Miami. Alguém perguntou qual a fórmula do NYT para acertar o passo e ultrapassar o milhão de assinantes que tinha naquele tempo (hoje já são 10 milhões).

Greenspon riu e sentenciou: “É que erramos muito”. Diante do silêncio ensurdecedor, continuou: “É preciso saber errar. Mas aceitar os erros. Nós já erramos muito. Erramos para acertar. As empresas de comunicação devem entender que é preciso fazer, sem perder tanto tempo em estudos prévios. O digital permite que você primeiro faça, depois avalie se deu certo. Se não funcionar, foi apenas um erro. Os erros permitem o acerto posterior”.

Simples assim. Mas a lógica que tão bem funciona nos EUA assusta os latinos. O jornalista espanhol Jose Maria Valero atribui à proximidade física dos americanos com o Vale do Silício o hábito do erro como forma de aprendizado. Pode ser. O imediatismo dos executivos de empresas de comunicação chega a ser preocupante. Não querem arriscar. Preferem esperar pelos resultados dos concorrentes, para então tomar uma decisão – mesmo que isso signifique chegar depois do mesmo concorrente e perder a dianteira. Investimentos, só aqueles com 99,9% de retorno assegurado – ainda que na grande maioria das vezes trata-se de uma missão impossível.

Essa cultura prejudica o sucesso dos empreendimentos digitais – principalmente os que nascem a partir de uma empresa já estabelecida, que viveu tempos de glória analógica no passado. As startups são bem mais flexíveis, aceitam a mudança de rumo no meio do caminho, aprendem com os erros. Mas mesmo grandes marcas parecem entender agora que os mergulhos no oceano digital ainda trazem riscos. Quanto mais profundo, menor a visibilidade.

Foi o que aconteceu com a CNN, uma das maiores cadeias de jornalismo – principalmente em TV por assinatura – do mundo. Em 29 de Março, com direito a grandes comemorações, lançou o CNN+, a grande aposta de streaming, com investimentos estimados em US$ 350 milhões. Menos de um mês depois, em meio à consolidação de uma mudança no quadro de acionistas, a empresa anunciou o fim da aventura, marcando o final para 30 de Abril. As contas não fechariam e, segundo os executivos, seguir com a operação na medida em que foi concebida só acumularia prejuízos. Um erro de avaliação e estratégia que vai deixar cicatrizes.

O problema, no Brasil, parece ser consequência da exigência de que tudo funcione por toque de mágica. A fórmula deve ser: aplicar uma grande ideia com baixo custo, alto retorno e prazo “para ontem”. Só que não deveria ser assim. A culpa dos sucessivos fracassos, em geral, é do executivo que não apoia um projeto até seu final. Aborta na metade, antes de virar realidade, por medo da falha, do erro.

O mesmo Valero enumera as cinco causas mais comuns pelos fracassos de iniciativas digitais – fruto de entrevistas que fez com líderes de empresas de comunicação:

1. Não conhecer bem a audiência
2. Subestimar o papel da tecnologia
3. Apostar com pouca convicção
4. Obter pouco apoio dentro e fora da empresa
5. Ignorar o fracasso

A cultura do erro como etapa para se chegar ao acerto precisa se disseminar nos meios digitais brasileiros. Foi assim que o poderoso El País, da Espanha, implementou o paywall no início dos anos 2000 e retirou-o um ano depois, quando se viu ultrapassado pelo rival El Mundo – aberto. Demorou 10 anos para reconquistar a liderança em países hispânicos. Há dois anos lançou outra vez seu paywall. Apesar do sucesso aparente no modelo “metered”, entendeu que havia um erro na concepção, pelo perfil de audiência. Desde o início do ano, El País adotou o “freemium”. Ou seja, correções de rumo, aceitar o erro como etapa para o acerto. Não é uma vergonha admitir o erro.

Agora é a newsletter americana Quartz, o produto que reinventou o uso de e-mails no início da manhã. A plataforma entendeu que o número de potenciais assinantes estava alcançado. E que o crescimento somente se daria a partir do aumento da publicidade. Para isso, era preciso crescer a audiência. Quartz acaba de retirar o paywall para o conteúdo habitual – manteve apenas para o premium.

Os erros ajudam nos acertos. É preciso arriscar. O conservadorismo na gestão das empresas de comunicação no Brasil não ajuda nesse processo. Mas sempre é tempo de rever as atitudes.

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