A economia do intangível

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Opinião

A economia do intangível

A diversidade, a sustentabilidade e a inclusão são elementos-chave para a diferenciação dos nossos produtos e serviços no mercado global


9 de agosto de 2024 - 14h00

Artigo escrito em colaboração com Edna dos Santos-Duisenberg, economista e diplomata 

Há 20 anos, a 11ª reunião da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) realizada em São Paulo marcou um ponto decisivo para os países em desenvolvimento: a importância da economia criativa. Em 2004, 153 países chegaram a um consenso sobre o valor futuro dessa nova forma de economia. O Consenso de São Paulo defendia que a comunidade internacional deveria apoiar os esforços nacionais dos países em desenvolvimento para aumentar sua participação e se beneficiar dos setores dinâmicos, fomentando, protegendo e promovendo suas indústrias criativas. À época, o tema já havia sido defendido na literatura e, anteriormente, na esfera política.

Em 1994, Paul Keating, ex-primeiro-ministro da Austrália, enfatizou em um manifesto a criatividade como diferencial econômico. Suas palavras ecoam ainda mais forte hoje, 30 anos depois, à medida que percebemos que a economia criativa é definida pela percepção de valor mais do que pela entrega tangível.

Já em 2001, foi a vez do genial John Howkins esmiuçar as benesses da economia criativa, defendendo-a como vetor essencial para o desenvolvimento econômico e social. Em seu clássico “Economia Criativa”, o autor e pesquisador inglês mostra que a criatividade é um ótimo negócio e explica como transformá-la em dinheiro. Para ele, economias convencionais têm como ativos principais a terra, trabalho e capital. Na economia atual, a imaginação individual é a principal fonte de riqueza. Sim, precisamos de terra, pessoas e dinheiro, mas esses não são mais os recursos primários. Hoje, o valor reside na criatividade e na capacidade de inovar.

Ao longo das décadas, é surpreendente que o Brasil ainda não utilize todo o seu potencial para fazer a Economia Criativa sua principal ferramenta. Sabemos que em atividades em que o esforço criativo é diferencial para gerar negócios, como no marketing e na publicidade, o desempenho do Brasil é razoável. No festival de criatividade de Cannes Lions deste ano, por exemplo, ficamos em terceiro lugar como país mais premiado, alcançando a marca de 92 Leões. Mas e a criatividade do brasileiro fora da Copa do Mundo da criatividade? 

Ficamos entre os piores no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), tradução de Programme for International Student Assessment, que avaliou a criatividade e o pensamento crítico de jovens estudantes mundo afora. Figuramos na posição 44 entre os 57 países analisados. O Pisa foi divulgado em junho pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Num mundo que defende há décadas o diferencial criativo como vetor de mudança na economia, nossa posição no ranking serve de alerta. Repare nas líderes do ranking: Cingapura, Coreia do Sul e Canadá. Em comum, as três nações possuem força econômica baseada – também – na criatividade. O IDH elevado (os três países figuram entre os TOP 20 do ranking. Cingapura, aliás, é o nono IDH do mundo) é só um dos componentes que comprovam tal força. Mas há outros. O mundo consome produtos criativos da Coreia do Sul. Você certamente viu um filme sul-coreano premiado nos últimos anos ou utilizou um eletrônico da Samsung, marca daquele país. O Canadá não fica atrás e é um polo efervescente de pessoas criativas, vide o ator Ryan Reynolds, em cartaz com mais um capítulo da franquia DeadPool. Cingapura, por sua vez, é considerada o Vale do Silício asiático.

Agregar valor ao intangível pode nos diferenciar frente a outros países. O Brasil sempre foi uma referência em criatividade, seja no futebol, na música ou na publicidade. Já passou da hora de transformarmos isso em negócios. A criatividade pode – e deve – influenciar positivamente no Produto Interno Bruto (PIB) da nação. Infelizmente, ainda aproveitamos mal nosso ativo intangível. Como um país colonizado e em desenvolvimento, nossa economia ainda se baseia em commodities. Precisamos desenvolver nosso conhecimento e capacidade criativa, e isso só é possível por meio da educação.

Para os países em desenvolvimento, o reconhecimento da importância das indústrias criativas e da economia criativa é relativamente recente. O já citado Consenso de São Paulo foi um marco nesse sentido, representando um passo decisivo para o reconhecimento e promoção dessas indústrias. E é um espanto que algo que complete 20 anos em 2024, ainda não surta o efeito esperado.

Em um mundo onde o “oceano azul” está cada vez mais difícil de encontrar, o Brasil tem um espaço significativo para crescer e se destacar. A diversidade, a sustentabilidade e a inclusão são elementos-chave para a diferenciação dos nossos produtos e serviços no mercado global.

Nossa criatividade não se limita à gambiarra ou ao famoso “jeitinho”, mas se manifesta em centros de pesquisa, criatividade efetiva, inovação e desenvolvimento de produtos e serviços diferenciados. Mas é preciso foco para fortalecer a Economia Criativa. Apoio do Estado e da iniciativa privada são fundamentais. Há muitos Steve Jobs, James Camerons, Reed Hastings e Billie Eilishs não descobertos no Brasil. Precisamos trabalhar para que eles alcancem seus potenciais.

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