A era da nostalgia
Viver durante o Iluminismo no Século das Luzes seria fantástic, mas o pedágio seria ter uma expectativa de vida entre 30 e 40 anos, vale a pena?
Viver durante o Iluminismo no Século das Luzes seria fantástic, mas o pedágio seria ter uma expectativa de vida entre 30 e 40 anos, vale a pena?
Todo mundo acha a grama do vizinho mais verde. Mas, às vezes, bate aquela sensação de que o nosso próprio gramado também já foi mais bonito ou mais bem cuidado. Já aconteceu com você? Bem-vindo à era da nostalgia.
Nostalgia, Don Draper nos explica em um episódio de Mad Men, “é algo delicado, mas potente. Em grego, significa literalmente a dor de uma ferida antiga. É uma pontada em seu coração muito mais poderosa do que apenas a memória. É uma ferida doce, uma lembrança de momentos eternos da vida que desejamos reviver.”
Bonito. Mas ele revela um sentimento nem tão bonito assim. Tirando Buda e um grupo muito seleto de iluminados, somos eternos insatisfeitos. Queremos o que não temos. Quando conseguimos, não queremos mais. Mudamos de ideia. Como cachorros correndo atrás do próprio rabo, vivemos nessa eterna busca da felicidade. E aqui entra a nostalgia. Nessa onda de insatisfação, costumamos achar que antigamente era sempre melhor.
Woody Allen mostra isso brilhantemente no filme “Meia Noite em Paris”. Gil é um roteirista de Hollywood que queria mesmo era ser escritor. Quando está em Paris, sonha com o que para ele foi a época de ouro da cidade: os anos 20. Até que um dia é magicamente transportado para lá e passa a conviver com Picasso, Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Josephine Baker e Salvador Dalí. Lá ele também conhece Adriana. E ela, que vive no meio de todos esses gênios dos anos 20, confessa que queria mesmo era ter nascido na Belle Époque, a “verdadeira época de ouro de Paris”, onde viviam Proust, Monet, Toulouse-Lautrec e Rodin, entre outros.
Gil responde: “Adriana, se você ficar aqui, e isso se tornar o seu presente, em breve você começará a imaginar que outro tempo era realmente o seu… Sabe, que era realmente a era de ouro. Sim, é isso que o presente é. É um pouco insatisfatório, porque a vida é um pouco insatisfatória.”
A verdade é essa: nós nunca estamos satisfeitos. Bom mesmo era no tempo dos Mad Men, quando se bebia e fumava no serviço, e a propaganda como nós a conhecemos foi inventada. Bom mesmo era quando um Leão em Cannes mudava carreiras e era mais difícil de conseguir. Bom mesmo foi a música dos anos 20 com a Era do Jazz. Ou a dos anos 60 com Beatles. Bom mesmo era no tempo do Senna, quando o piloto fazia mais diferença do que o carro na F1. Bom mesmo era o futebol dos anos 70, quando os jogadores tinham tempo e espaço para desfilar todo seu talento. Bom mesmo é usar o passado pra descontar nossa frustração com o presente.
Tendemos a romantizar o que aconteceu. Nosso cérebro, esse fanfarrão, gosta de nos pregar peças. Brincando da percepção seletiva, ele faz a gente lembrar só das coisas boas. Mas a verdade não é bem essa.
Viver durante o Iluminismo junto com Kant, Voltaire e Rousseau no Século das Luzes seria fantástico. Mas o pedágio seria ter uma expectativa de vida entre 30 e 40 anos. Vale a pena? Voltar para a época dos Mad Men seria um sonho. Desde que você não se importasse com machismo, sexismo, falta de diversidade e assédio no trabalho. Anos 60? Ditadura no Brasil, Guerra no Vietnã e negros ainda precisando lutar para ter direito a voto nos Estados Unidos.
Hoje, as pessoas reclamam de pesquisas (nivelam por baixo), da inteligência artificial (vai tirar empregos), das redes sociais (nos fazem emburrecer), do fim do BV (diminui salários). Reclamam. A resposta invariavelmente vem com cheiro de naftalina. É como dirigir um carro olhando para o retrovisor, ao invés de olhar para a estrada à nossa frente.
“Se você não gosta do que está sendo dito, mude a conversa”, nos diria Don Draper, entre um gole e outro do seu whisky. Tem razão. Mudar. Olhar para frente. Estar aberto a novas possibilidades. Eu mesmo nunca imaginei que acabaria um texto citando o filósofo Neymar Jr, mas eu também tenho é saudade de tudo que a gente não viveu ainda.
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