Country-proof Branding, a marca à prova de mundo
A internacionalização é um dos maiores desafios das marcas em nossa época, demandando propósitos fortes e experiências coerentes
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2 de fevereiro de 2022 - 14h00
Sou da Geração X, aquela dos nascidos entre 1965 e 1980 e que presenciaram eventos que marcaram épocas como a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. Sou da geração que foi influenciada pelo boom do consumismo dos anos ’80 e ’90. Nasci na Itália onde morei nos primeiros 25 anos de minha vida e teve a oportunidade de experimentar naquela época um país influenciado fortemente pela popularização da televisão e pelo crescimento do capitalismo moderno. Nas décadas de ’80 e ’90 o consumo tornou-se um fenômeno quase compulsivo e sinônimo de bem-estar social.
É naqueles anos que as marcas ganharam peso e força na cultura popular, sendo capazes de trazer aos seus públicos qualquer tipo de discurso (até os impensáveis hoje) e não tocando minimamente temas como sustentabilidade e diversidade, temas com os quais a sociedade atual (ainda bem!) está muito engajada.
Foi naqueles mesmos anos que se afirmaram ícones como Coca-Cola, Pepsi, Marlboro, Kodak, Levi’s, Swatch, Casio, Nike e muitas outras marcas que entraram a fazer parte da cultura popular.
Marcas que representavam referencias atitudinais e que se tornaram símbolos globais de lifestyle, muitas vezes impulsionadas pelo universo da música, do entretenimento e da moda.
De uma certa forma, posso dizer que cresci junto com essas marcas e foi assim que me apaixonei pelo branding e devo dizer que ter tornado isso hoje meu trabalho é uma grande fonte de realização pessoal.
Nas décadas de ‘80 e ‘90 um fato em especial chamou minha atenção: muitas marcas foram capazes de trazer propostas de valor e storytellings tão abrangentes que foram capazes de se conectar com a população de países com culturas diametralmente opostas. São essas as marcas que chamamos de globais: aquelas cujo posicionamento, estratégia de comunicação, personalidade, aparência e essência são os mesmos independente do país. Favorecidas pela mídia global, o surgir da internet e a livre circulação de bens e capitais, as marcas globais foram capazes de criar uma vantagem competitiva a partir de economias de escala e estratégias unificadas. Levaram as pessoas em novos universos e culturas antes inacessíveis e tornaram-se os ícones indiscutíveis daqueles tempos.
Apesar disso, desde sempre as marcas globais tiveram que se adaptar ao contexto do país onde estavam inseridas. Por exemplo, se Honda significa qualidade e confiabilidade nos Estados Unidos, no Japão, onde a qualidade é um atributo da maioria dos carros oferecidos pelo mercado nacional, a marca representa velocidade, juventude e energia.
Se Ferrero representa uma marca corporativa de chocolates mais premium na América Latina, em alguns países da Europa como a própria Itália, ela é percebida como uma marca de chocolates popular, presente nos lares da maioria das famílias italianas. Essas diferenças de contexto costumam impactar tanto as estratégias de branding internacional que, em alguns casos, as marcas que entram em novos países são forçadas a alterar ou ajustar até seus próprios nomes. Não todos sabem que a marca Danone nos EUA se chama de Dannon, por uma razão ligada à sua pronunciação em inglês. A marca KFC no Canada chama-se de PFK, do francês “Poulet Frit Kentucky”.
Porém, nos últimos anos, fenômenos sociais como a crise econômica global, a era digital e o acesso à informação, mudaram drasticamente nossa relação com o consumo e com as próprias marcas. Até as globais. É só pensar no impacto que a crise de 2008 teve no mindset dos consumidores. A escala das prioridades de consumo mudou e as marcas precisaram se adaptar a essa nova realidade, e rápido. O setor do confectionery, por exemplo, foi um dos que mais sofreram, passando de uma compra por impulso a uma compra consciente principalmente por conta do novo perfil de consumo de alimentos, mais focado em uma vida saudável.
E agora, a necessidade de as marcas flexibilizarem suas abordagens foi acelerada exponencialmente pela pandemia da Covid-19, que levou o mundo a uma nova virada de época. Vimos assim a volta de temas como o etnocentrismo do consumidor, o patriotismo, o resgate das identidades locais e o surgir de novas dinâmicas que colocaram em xeque a força das marcas globais.
Em um mundo que passou a ser de VUCA a BANI (Brittle, Anxious, Nonlinear and Incomprehensible) e que se viu dominado pela instabilidade económica, pelas maiores diferenças sociais e pela falta de liderança das instituições que sempre foram porto-seguros das pessoas, tornar-se uma marca global é hoje um desafio e tanto.
A verdade é que as marcas que proporcionam abordagens globais standard não funcionam mais como antes em todos os mercados. As pessoas querem mais do que nunca marcas autênticas, que saibam dialogar, que entendam as dinâmicas das comunidades locais e que contem histórias que se conectam com cada um de forma quase íntima.
Nesses tempos, para ganhar relevância, as marcas precisam cumprir, portanto, 3 papeis simultâneos na vida das pessoas:
1. precisam ser um porto seguro, trazendo conforto emocional. Segundo um estudo da Edelman Trust Barometer realizado em 2021, as empresas (e assim as marcas) são as instituições nas quais as pessoas mais confiam, em um cenário em que os Governos, a Mídia e as ONGs perderam relevância. Em épocas de incertezas e de dor, as pessoas buscam se conectar com quem oferece experiências humanizadas. Basta pensar que a Netflix, assim que a pandemia explodiu em 2020, ganhou 10 milhões de novas subscrições globalmente.
2. precisam enriquecer as vidas das pessoas, trazendo cada vez mais experiências omnichannel que agreguem valor em suas jornadas. Na FutureBrand chamamos isso de experiência conectada de marca. Segundo um estudo da Invesp de 2021, a taxa de retenção de clientes de empresas com estratégias de engajamento On e Off é de 89%, em comparação com a taxa de retenção de clientes de 33% para empresas com baixo engajamento omnichannel.
3. Enfim, em uma época em que locomover-se se tornou um dos maiores desafios, as marcas devem ser capazes de quebrar as barreiras geográficas levando as pessoas para universos de inspiração e de experiência.
Então o que fazer? Será que quebrar barreiras geográficas tornou-se privilégio exclusivo das marcas que conseguiram fazer isso antes que os últimos eventos mudassem as dinâmicas do mundo? Para quem veio depois é tarde demais?
É claro que não.
Como expert em branding da FutureBrand São Paulo, considero que o desafio de internacionalizar uma marca tornou-se sim um dos maiores em branding, mas ao mesmo tempo, sei que trabalhar com marcas significa trabalhar com verdades. E, pela minha experiência, a verdade de marca é e sempre será a bola da vez.
O que quero dizer é que, mais uma vez, o propósito de marca deve ser o centro de tudo que ela faz. Mostrar por que a marca existe e como ela deseja fazer a diferença no mundo não pode variar dependendo do país onde ela se encontra.
Basta pensar na marca Ferrero que comentei há pouco. Apesar de sua abordagem de negócio e de sua percepção variar de acordo com o país, o propósito de Ferrero é sempre o mesmo: levar aos consumidores ícones de confeitaria inimitáveis e de alta qualidade.
Quando pensamos em internacionalizar nossa marca precisamos ser fiéis à sua essência. Isso significa ter um propósito e valores abrangentes e adaptar ou criar localmente nossa experiência. Ou seja: o propósito e os valores precisam ser imutáveis, enquanto os atributos mais extrínsecos como a personalidade de marca e seus benefícios devem adaptar-se ao cenário local.
Um dos melhores exemplos que posso dar, é o projeto que a FutureBrand São Paulo, em parceria com os escritórios de NY e Madrid, liderou junto com a Fini para criar a marca corporativa global The Fini Company. A nova marca, que conta com 7 filiais internacionais e duas fábricas – uma na Espanha e uma no Brasil – conecta seus colaboradores através de seu propósito “inventar alegria”. Ao mesmo tempo, ela é capaz de preservar as peculiaridades de sua estratégia de negócio em cada mercado local. Logo após o lançamento da marca global, Andrea Köhler, Gerente Executiva de Marketing na The Fini Company do Brasil, afirmou: “Hoje todos, desde a Espanha até o Brasil, estão inseridos na The Fini Company com o maior orgulho dessa nova marca e dos nossos valores. Agora é continuar inventando alegria cada dia mais!”.
Quando pensamos que o propósito continua sendo o elemento central para uma marca que busca se internacionalizar, se entramos no tema da sustentabilidade isso torna-se ainda mais evidente. Isabel Sobral, Diretora e Sócia da FutureBrand São Paulo afirma: “As marcas à prova de mundo devem ser regidas pelas leis universais e pela linguagem comum do respeito, da liberdade, dos direitos humanos e do cuidado com o planeta e com a comunidade. Elas terão mais habilidade e resiliência para lidar com as externalidades negativas e saberão beneficiar-se das positivas”. Ou seja, uma marca que quer se internacionalizar não pode não ter um propósito que fará a diferença no país onde será inserida. Ao mesmo tempo, a marca deverá estar atenta ao contexto do novo país e precisará ser capaz de lidar com questões que transcendem as barreiras regionais, sabendo dialogar sobre elas com fluência, independente das diferenças culturais. Mais uma vez: o proposito não pode mudar, mas a forma em que ele ganhará vida sim.
Fixado o propósito, para tornar uma marca a prova de mundo será necessário passar por 5 passos:
1. Desvendar o status-quo: fazendo uma imersão no cenário atual da marca e nas principais dinâmicas do país-alvo.
2. Se adaptar aos códigos culturais: compreendendo a cultura local e adaptando o posicionamento da marca de acordo.
3. Criar experiência de marca localmente: adaptando a expressão da marca para que gere uma proposta de valor engajadora no novo país.
4. Trazer uma visão sustentável: entendendo o cenário de sustentabilidade do país-alvo e entregando uma narrativa envolvente e autêntica.
5. Adaptar a estratégia de negócio: moldando o modelo de operação à realidade do mercado local e ao posicionamento que a marca almeja alcançar no país.
Trata-se de construir coerência internacional, ou seja, a capacidade da marca adaptar sua execução local, mantendo consistência com seu propósito e sua verdadeira essência.
Isso é o que torna uma marca a prova de mundo. Isso é o que torna uma marca a prova de futuro.
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