A mídia estrábica e o poder das big techs
Empresas intermediárias conseguiram dominar as cartas do jogo quando investiram em tecnologia e passaram a entender o perfil das audiências
Empresas intermediárias conseguiram dominar as cartas do jogo quando investiram em tecnologia e passaram a entender o perfil das audiências
Os maiores inimigos dos meios de comunicação tradicionais têm nome: Google e Meta. São lobos disfarçados de carneiros, oferecem serviços, “parcerias”, até pequenos financiamentos, mas o objetivo final é que os meios sigam produzindo conteúdo para que as big techs utilizem esse material sem pagar um centavo. Mas elas, sim, faturam alto com publicidade – que não vai para os veículos.
Desenhando essa “parceria”, onde só um ganha e o outro já não tem para onde correr: as principais marcas jornalísticas eram reconhecidas pela relevância em impressos, rádio e televisão. E sabiam como se relacionar com o público, de forma direta. Aí apareceu a Internet, uma rede digital que facilitou todas as conexões. Perfeito, não fosse por dois problemas:
1. Os meios tradicionais demoraram a entender a nova lógica e tentaram manter a antiga realidade dos meios analógicos. Perderam tempo, não acompanharam o movimento da audiência para o digital e viram concorrências surgirem de todos os lados;
2. Intermediários investiram em tecnologia, desenvolvendo algoritmos que conseguem entender o perfil das audiências e oferecer conteúdo – e publicidade – específico para cada pessoa. Mas não entraram diretamente no mundo das comunicações: utilizam conteúdos de qualquer produto e incentivam os cliques em material que os algoritmos consideram adequado. Detalhe: a estratégia deu muito certo e hoje eles têm as cartas do jogo.
Quanto mais os meios de comunicação publicam conteúdos nas redes intermediárias (Facebook, Instagram, YouTube, entre tantas) e produzem pensando em posicionamento no Discover e nas buscas do Google, menos autonomia na relação com a audiência vão ter. Mas, pasmem, mesmo sabendo desse paradoxo as empresas jornalísticas investem pesado nessa estratégia de curto prazo – e fingem ignorar que a médio e longo prazos os resultados serão péssimos. A máquina de cliques garante receita para pagar as contas do mês. E quem tem visão limitada acha isso genial.
Por quê? Porque o resultado dessa intermediação pelas big techs é a perda de identidade, de relevância. E o modelo de negócio necessário para os veículos é a assinatura, o pagamento para que a audiência tenha acesso a um conteúdo. Mais: as matérias, pouco a pouco, não são montadas pensando no leitor, mas no algoritmo que vai decidir o posicionamento nas redes e no Google. É o rabo abanando o cachorro. Para melhorar a distribuição, o meio compromete a qualidade, muda título, utiliza palavras que jamais usaria.
Mas o que está ruim sempre pode piorar. As big techs – que se consideram apenas empresas de tecnologia, mesmo que seus algoritmos induzam a escolha de conteúdos para as audiências – estão tão confortáveis nessa intermediação, que desafiam a soberania de alguns países e decidem seus passos doa a quem doer. O Facebook, por exemplo, avisou que não vai mais ser responsável pelo controle da veracidade do que publica. Como? Sim, virou assumidamente terra de ninguém. Segundo a Meta (dona do FB), o controle se dará pela ação dos usuários. Hahahahahahaha, ótima piada.
Poucos dias depois da decisão do Facebook, um deputado federal publicou vídeo contendo uma série de mentiras sobre o funcionamento do Pix no Brasil. O tal vídeo, impulsionado por redes sociais e por algoritmos, rapidamente obteve mais de 200 milhões de visualizações. Como se todos os habitantes do Brasil tivessem visto o vídeo. Mas o conteúdo estava carregado de imprecisões, acusações falsas e mentiras, o que se transformou em um desserviço público. O governo federal precisou se mobilizar, explicar, rever algumas decisões. Tudo provocado por um vídeo com fake news. E ninguém assume a responsabilidade, liberou geral.
Enfim, aqui o que menos interessa é o lado político de A ou B, mas o poder que as big techs – em especial Google (Discover, YouTube, Search) e Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp) – têm. Uma mentira bem distribuída derruba governos. E elege presidentes. Sem regulamentar as responsabilidades das grandes empresas de tecnologia – que buscam receita em publicidade e por isso incentivam os cliques fáceis – o futuro é nebuloso.
Curioso é que os meios de comunicação tradicionais são os maiores prejudicados pelo imenso poder das big techs. E mesmo assim são os que mais colaboram para perpetuar esse poder. Está mais do que na hora de repensar essa subordinação. E de regulamentar os intermediários.
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