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A publicização de si: posto, logo, arrisco.

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Opinião

A publicização de si: posto, logo, arrisco.

O trabalho de valorização identitária de marca envolve o tempo, a variável – equiparada ao capital, “tempo é dinheiro” – mais escassa na sociedade contemporânea


9 de outubro de 2023 - 8h00

O episódio envolvendo Marcelle Decothé, assessora do Ministério da Igualdade Social, criou uma oportunidade para debatermos, de forma consistente e pragmática, as causalidades e efeitos decorrentes da exponencial publicização de si mesmo nas redes sociais digitais. Sua postagem em seu perfil privado no Instagram, com suas percepções pessoais sobre a torcida do São Paulo, repercutiu gravemente na vida real. Ocorrências anteriores de pessoas públicas, celebridades ou influenciadores geraram ondas de cancelamento e avalanches de opinião popular, mas o agravamento estava centralizado nas redes.

A primeira hipótese a ser avaliada é a condição de mercadologia das pessoas nas redes, a virtualidade de que elas se apropriam para publicizar sua imagem e adquirir liquidez numa sociedade ávida por consumir personalidades e identidades construídas. A obra O Show do Eu, de Paula Sibilia, explica, desde a era dos blogs, a necessidade de ser visto e de tornar públicas longas narrativas (reais ou construídas) da vida privada. Post or die, ou “posto, logo existo”, foram máximas alimentadas pela retórica das redes em exaustão. Hoje, um perfil no Linkedin que garante um nível de empregabilidade, deve mostrar os feitos cotidianos de uma pessoa em seu trabalho, com fotos, tags corretas e menções aos outros membros da equipe. Independentemente do ofício, trata-se de commoditizar habilidades e competências individuais dispostas a serem comercializadas. Ou, usando outro exemplo, quando uma pessoa não tem perfil nas redes, ou que tem poucas publicações e seguidores, há uma desconfiança, já que seu capital não pode ser validado por suas imagens, ações, amigos e palavras.

O capital que cada um atribui a si mesmo nas redes é o que lhes autoriza a escolher palavras para refletir sobre uma experiência. Em seu post, a ex-assessora validou esse argumento – ao mesmo tempo em que infantilizou a política, esquecendo seu papel institucional – se expondo com fragilidade. A segunda hipótese, então, seria a de as pessoas se tornaram seus próprios meios, seu valor passou a ser medido por interações quantitativas que podem atrair outras fontes de receita nas prateleiras do marketing. Nessa lógica é necessário fazer publicidade de si mesmo, construir uma identidade que seja persuasiva e desejável, para uma vaga de emprego ou um romance. Cada um é sua própria marca registrada, seguindo a receita da exclusividade, o que nos diferenciaria um dos outros, o que nos definiria e nos garantia maior ou menor influência e, consequentemente, autoridade e (quem sabe) proventos nas redes.

O trabalho de valorização identitária de marca envolve o tempo, a variável – equiparada ao capital, “tempo é dinheiro” – mais escassa na sociedade contemporânea. O tempo hoje é um presente contínuo, sem passado ou futuro. O whatsapp está repleto de mensagens sem ponto final, elas não começam e não terminam nunca. O tempo passa tão depressa que é necessário viver tudo com intensidade, com o dobro de velocidade, em ritmos desassociados do próprio fluxo do tempo. Essa tensão temporal fragmenta a experiência em uma sequência de momentos “presentes”, que precisam ser registrados instantaneamente como modo de memória, uma vez que dedicamos nossa atenção a muitos estímulos simultaneamente, e sem registro, as experiências desaparecem. O tempo estaria ancorado no momento da publicação do post. A destemporalização seria a última hipótese desse debate. Se a experiência de continuidade não tivesse sido destruída pela fragmentação proporcionada pelas redes, os valores não estariam colapsando atropelados pela aceleração na demanda pela exposição. Se um post for postergado para o dia seguinte, corre o risco de ser apagado ou editado, sem comprometer a publicização de si mesmo.

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