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Opinião

A receita do sucesso

Os algoritmos e a lógica matemática são capazes de prever o sucesso de uma música e de explicar as reações humanas à experiência de ouvi-la?


10 de maio de 2017 - 11h30

A busca pelo Santo Graal, por uma receita mágica para o sucesso, não acontece apenas no ambiente das expressões artísticas e dos conteúdos que podem atrair olhos e ouvidos. É uma aspiração da humanidade em todas as áreas. Daí as enormes pilhas de livros de autoajuda e “segredos do sucesso” nas livrarias. Estes são, ao menos, a receita certa para o sucesso de quem os escreveu (eles também guardam seus segredos). No negócio da música acontece exatamente a mesma coisa.

Foto: Reprodução

Historicamente, quando um músico ou estilo específicos fazem sucesso, uma lista de artistas similares são contratados e promovidos pelas grandes gravadoras, gerando os tais “movimentos” na indústria. Mas a busca pelo “segredo mágico do sucesso” já enveredou por diversos caminhos, sem conclusões convincentes ou realmente efetivas. Já se buscou explicar de forma artística, de forma psicológica e até de forma química o porquê de algumas músicas fazerem sucesso e outras, que obedeciam aos mesmos princípios, não mobilizarem a audiência e os consumidores. A neurociência também está no jogo!

Já sabemos que a experiência de ouvir música que nos agrada ativa o centro de recompensa do cérebro liberando dopamina, a substância que nos proporciona sensação de bem-estar, prazer e motivação. Para efeito de comparação rápida, essa substância também é liberada durante o sexo, o uso de drogas e até quando ingerimos alimentos que consideramos saborosos. Dentre as reações provocadas por esse movimento químico estão a excitação emocional, alterações na frequência cardíaca e até mudanças na nossa respiração. Mas será que essas reações são explicáveis pelo caminho da lógica matemática? Centros de estudo nas mais prestigiosas universidades do mundo já se dedicaram a isso também.

Como exemplo, cito um trabalho da Universidade de Bristol, Inglaterra, que dissecou a parada musical pop inglesa nos últimos 50 anos e conseguiu “prever” quais músicas atingiriam o sucesso, a partir de um modelo matemático que avaliava harmonia, acordes, variação de ritmo, volume, as sequências de notas musicais e até a época do ano em que determinada música era lançada (sim, uma música com espírito “alto astral”, lançada imediatamente antes do verão tende a fazer mais sucesso do que a mesma música lançada durante o inverno!). O algoritmo, que consumiu dezenas de horas de processamento em supercomputadores conseguiu “prever” o sucesso de um single com margem de acerto de…. incríveis 60%! Ora, acertar praticamente metade das apostas em um quadro de 50% de chances de acerto é algo que um consumidor convencional também é capaz de fazer, sem ocupar os computadores da Universidade!

Mas os grandes players do mercado que apostam na música como plataforma de negócios, como Spotify, Deezer, Apple Music e até o Youtube, precisam de mais do que isso para tornar viáveis seus planos de negócios. Todos, sem exceção, já torraram dezenas de milhões de dólares na busca da fórmula mágica do sucesso musical.

Outra corrente de pesquisa monitorou a atividade cerebral de um grupo de pessoas ao ouvir diferentes estilos musicais, e observou que a música atua em diferentes centros do cérebro ao mesmo tempo e que cada estilo musical obedece a um padrão diferente de reações. Aí, complicou. A conclusão foi a de que o que determina nossa preferência musical é a maneira como os neurônios conectam-se entre si, e que esta forma é determinada pela sensibilidade neuronal desenvolvida durante toda a nossa vida e depende até do tipo de música e da variedade de estilos a que fomos expostos durante esse tempo. Resumindo: é impossível padronizar e automatizar o chamado “gosto musical”. Ele é construído ao longo da vida! E, se é assim, como desenvolver plataformas que atendam com sugestões e indicações a todas as expectativas dos consumidores?

Nós, dos grandes veículos de comunicação de massa dedicados à música, passamos anos tentando “adivinhar” o que a maioria de nossos consumidores vai gostar, e juntamos anos de experiência, aumentando assim a nossa margem de acerto médio para até mais do que os 60% da Universidade de Bristol. Mas os grandes players do mercado que apostam na música como plataforma de negócios, como Spotify, Deezer, Apple Music e até o Youtube, precisam de mais do que isso para tornar viáveis seus planos de negócios. Todos, sem exceção, já torraram dezenas de milhões de dólares na busca da fórmula mágica do sucesso musical. E essa busca levou a algo que fez estas plataformas decolarem no gosto do consumidor. As PLAYLISTS!

As playlists de maior sucesso não se prendem a um estilo, mas ao chamado “mood”, um estado de espírito que pode ser alterado por boas (ou más) notícias, pelo sol (ou pela chuva), pelo calor (ou pelo frio), pelo dia da semana e outras variáveis muito mais controláveis do que conexões neuronais individuais. Estava nascendo uma solução que, se não é infalível por conta de tudo que falamos anteriormente, atinge a muito mais gente do que sugerir estilos e artistas específicos.

Em vez de entregar sequências musicais pretensamente técnicas, as plataformas estão entregando estados de espírito, grupos de músicas que atendem a uma demanda específica do consumidor em um momento também específico. Amanhã ele acorda de outro jeito e pode querer ouvir outro grupo de músicas que atendam ao novo estado de seu humor.

As marcas podem usar esse modelo para estabelecer um diálogo com o consumidor, atual ou potencial, mas a sua marca não é um estado de espírito, logo, alguém precisa decodificar seus valores e transformá-los em uma linguagem que atraia aqueles que vibram na mesma sintonia de sua mensagem

E quando falamos em estado de espírito não estamos falando de playlists com nomes como “músicas para festas de casamento”, já que isso implica gosto pessoal de uma forma ou de outra, mas de “músicas para fazer exercício”, “músicas para uma manhã chuvosa” e outras expressões de nosso ânimo. A margem de engajamento dos consumidores cresce dramaticamente quando se entrega afinidade com uma “vibe” em vez de artistas ou estilos “similares”. Nesse jogo, quem acerta muito aumenta a aderência a um projeto, seja um veículo de massa ou um algoritmo de playlists.

Tanto quanto as rádios focadas em música, playlists baseadas em humores e emoções de sua vida não acertam 100% das sugestões que são apresentadas, mas seguramente estão bem acima dos 60% alcançados por supercomputadores que, no fim, mais frustram do que ativam pontos de recompensa de nossa estrutura cerebral. E isso está transformando essa indústria ainda recente de plataformas musicais, que estão criando trilhas sonoras para os momentos de sua vida, em vez de sugerir obras que podem soar irrelevantes, simplesmente porque são do mesmo artista que você gostou um dia.

As marcas podem usar esse modelo para estabelecer um diálogo com o consumidor, atual ou potencial, mas a sua marca não é um estado de espírito, logo, alguém precisa decodificar seus valores e transformá-los em uma linguagem que atraia aqueles que vibram na mesma sintonia de sua mensagem. E isso é coisa para profissionais. Empilhar músicas não vai resolver seu problema. Nem que sejam empilhadas por um supercomputador de Bristol.

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