A revolução cultural dos games
A audiência do eSports é formada por um público não facilmente atingido pela mídia tradicional
A audiência do eSports é formada por um público não facilmente atingido pela mídia tradicional
Nenhuma revolução acontece do dia para a noite, mas alguns episódios icônicos acabam simbolizando movimentos históricos que consolidam novas eras. Na última semana, a Nike pode ter protagonizado um desses momentos para o eSports com o lançamento da campanha global “Dribble &“, ao colocar lado a lado o ídolo do basquete Lebron James, o ator chinês Bai Jingting e o jogador profissional Jian “Uzi” Zi-Hao, um dos maiores profissionais do mundo do game League of Legends (LoL).
Lançada na China pela plataforma Sina Weibo, versão local do Twitter, ainda não foi oficializada pela Nike qual é a extensão do compromisso com o atirador da equipe de eSports chinesa Royal Never Give Up, mas o fato de Uzi viver hoje um dos melhores momentos de sua carreira e ser considerado por muitos como o melhor do mundo em LoL chamou a atenção da comunidade global de eSports e também do mundo do marketing esportivo. Se ele terá um contrato vitalício com a Nike, igual Lebron James e Cristiano Ronaldo, ainda é cedo para saber, mas pela primeira vez a empresa que vem revolucionando o marketing esportivo desde que surgiu, colocou um ídolo do eSports no mesmo patamar que astros dos esportes tradicionais mais populares do planeta.
A paixão da humanidade pela competição e os esportes remonta aos tempos dos jogos olímpicos na Grécia antiga, passam pela sua reformatação no século XX e ganham no século XXI sua mais nova vertente: o eSporst. O eSports surge como uma amplificação colossal ao universo gamer, já que trazem a dimensão competitiva, o que inclui campeões, torcedores, paixões, merchandising e tudo que já conhecemos no mundo do esporte tradicional. Isso vai ao encontro com os clubes de esportes tradicionais que estão renovando e rejuvenescendo as bases de fãs entrando no mundo dos eSports: PSG, Flamengo e Santos já têm seus próprios times de eSports e os torcedores que nem jogam videogames estão começando a se interessar pelos novos ídolos que defendem as cores de sua camisa. Neste ano, pela primeira vez um clube de futebol montou um stand na BGS dedicado a promover sua equipe de esportes eletrônicos, o Flamengo.
A TV, com sua audiência mais madura que os canais de transmissão tais como Twitch, YouTube ou Facebook, contribui também muito em trazer novos fãs ao eSports, fazendo com que famílias se apaixonem por este universo. Hoje está consolidado o caminho onde a comunidade de eSports “contamina” o mainstream, com gaming deixando cada vez mais de ser percebido apenas um nicho. Leonardo Valentim, executivo da TV Globo dedicado a novos negócios na área de esportes, declarou ao Meio & Mensagem que games já são tratados como temática mainstream em praticamente todos os programas da grade da emissora — a maior do TV do Hemisfério Sul deste planeta.
Para entender a importância da conquista deste espaço na TV pelo eSports, vale lembrar que antes dela o futebol eram apenas 22 pessoas correndo atrás de uma bola frente a uma pequena plateia de fãs, amigos e familiares. A amplificação da mídia, graças à democratização da TV e do entretenimento em casa, gerou esses números fenomenais de audiência com patrocínios, ídolos e bilhões de investimentos em um ecossistema. Hoje, no eSports, estamos vivendo o mesmo fenômeno: os dez hardcore gamers que jogavam competitivamente na LAN house ganharam audiência de um público enorme graças ao crescimento da tecnologia de transmissão ao vivo (Twitch, YouTube, Facebook), à democratização da internet em casa e ao amadurecimento dos jogos online para atender essa audiência.
Um novo ecossistema nasceu e está crescendo a todo vapor com novos patrocínios, ídolos e bilhões de investimento. A melhor parte disso é que essa audiência do eSports é formada principalmente por millennials que, de um lado, têm a maior propensão de crescimento do poder de compra, especialmente nos países emergentes; além disso, por ser muito volúvel, esse é um público que não é tão facilmente atingido pela mídia tradicional.
Nos últimos anos, temos observado com frequência mudanças de programação nas grades de canais de esportes abrindo cada vez mais espaço para a transmissão de eSports, suprimindo algumas vezes esportes tradicionais como tênis, gerando queixas de alguns espectadores em redes sociais. O fenômeno ainda não é plenamente compreendido por muitos, mas a revolução cultural que começou no início deste século, na qual o eSports tem um papel de destaque, já começa a deixar marcas indeléveis na história do entretenimento.
Tendências
As primeiras consequências dessa revolução são a profissionalização do mercado, com a primeira geração de ex-jogadores profissionais do mercado sendo disputada a peso de ouro para formar novos talentos. Com eles, surge um novo segmento da economia com a multiplicação de médicos, psicólogos, advogados, produtores de eventos ou agências, todos especialistas em eSports.
As mulheres merecem um capítulo à parte nessa revolução, pois a paixão feminina pelos games dá voz às reivindicações por igualdade e, acima de tudo, respeito. A campanha #MyGameName, uma iniciativa da ONG americana Wonder Women com participação da gamers brasileiras Cherry Gumms, Malena e a jornalista Bárbara Gutierrez, foi um dos grandes destaques no Festival Cannes Lions em 2018 ao chamar atenção para a opinião pública sobre o assédio a jogadoras femininas nos ambientes virtuais, o que as obrigava em muitos casos a usar nicks masculinos apenas para não serem xingadas. Se a revolução do eSports for sucedida também nesta bandeira, temos grandes chances de as novas gerações de gamers ajudarem a sepultar de vez qualquer resquício da cultura machista.
Nessa esteira, cresce o espaço dedicado aos esportes eletrônico na TV aberta e paga e a oferta de merchandising e lojas especializadas, impulsionados pelos novos ídolos e celebridades. Muitas marcas não endêmicas como Coca-Cola, P&G, McDonald´s entre tantas outras já entenderam que o universo dos games é uma extensão natural de sua comunicação com o grande público, com grandes retornos em todas suas iniciativas neste terreno tão fértil para inovação.
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