A sensibilidade vai desabar sobre os homens
Se depender da nova geração de creators, o caminho para evitar destinos trágicos para a sociedade é tão simples quanto difícil: deixar os meninos serem do jeito que gostariam de ser
Se depender da nova geração de creators, o caminho para evitar destinos trágicos para a sociedade é tão simples quanto difícil: deixar os meninos serem do jeito que gostariam de ser
Eu me emociono com gente de coração aberto expondo suas ideias e sonhos, e na última edição do Demo Day do YouPix Creators Boost, não foi diferente. Nesse dia, criadores de conteúdo que passam pelo programa de aceleração da YouPix apresentam para o mercado os seus projetos. Como jurada, faço a linha Ivete e vibro, sofro se alguém se atrapalha, torço mesmo. Porque eles são muito maravilhosos. Ouvi a história da Veronica Oliveira, que posta sobre seu cotidiano como faxineira – e bomba até no LinkedIn. A Neggata e a Dani Lima fizeram todo mundo engasgar contando como, cada uma do seu jeito, inspiram mulheres a se verem bonitas e preparadas para o mundo. A Juulieffe faz arte e humor com fotos de comida e me deixou com muitas ideias. A Gi Souza faz até feijoada de um jeito rápido e fácil. E a dupla do depois das seis nos convida, com fotos do pôr do sol, a ter mais momentos de contemplação na vida. Mas foram os homens que me surpreenderam dessa vez.
Foi em 2015 que ouvi a expressão masculinidade tóxica. O documentário The Mask We Live In, da Netflix, mostrou que o modo padrão como temos criado os meninos tem consequências devastadoras. Não pode chorar, não pode demonstrar fraqueza e afeto, não pode se importar com beleza e arte, tem que gostar de competir, ser bom nos esportes, iniciar logo a vida sexual, precisa ter sucesso, poder, mulheres – e uma angústia que só cresce porque, lógico, eles também não podem falar sobre sentimentos. O filme relaciona a opressão dos meninos a comportamentos autodestrutivos, suicídio, assassinatos em massa nas escolas, homofobia e violência contra as mulheres. E o caminho para evitar esse destino trágico para a sociedade inteira era tão simples quanto difícil: deixar os meninos serem do jeito que gostariam de ser, acolher, tirar da caixinha, estimular a expressão e a sensibilidade – o exato oposto de meninas vestem rosa e meninos, azul. Precisávamos falar sobre isso.
Mandei o documentário para os meus irmãos – pais dos meus sobrinhos. Conversei com amigas mães de meninos. Falei com meu marido. Vi posts e vídeos pipocando aqui e ali. Canais consagrados como Papo de Homem começaram a fugir do estereótipo Clube do Bolinha e gigantes como Felipe Neto e Fábio Porchat iniciaram um caminho de desconstrução. Mas não vi essa conversa ganhar força na minha bolha, muito menos virar mainstream, como aconteceu na mais recente onda de redescoberta do feminismo.
No ano passado, um dossiê do Google mostrou que o cenário estava mudando. Mais devagar do que nós feministas gostaríamos, uma “nova masculinidade” (ou masculinidades) está sendo inventada e reivindicada. Se 75% dos homens brasileiros entre 25 a 44 anos nunca tinham ouvido falar em “masculinidade tóxica”, só em 2018 mais de 3 mil vídeos foram publicados debatendo essa questão por aqui. Se metade dos homens ainda preferem caçoar ou não comentar quando um amigo muda a aparência, temos canais gigantescos falando de cuidados, moda, cabelo e até maquiagem masculina, que já chamam a atenção de grandes marcas.
Agora, parece que essa nova leva de creators está questionando limites também nas pautas e projetos de conteúdo. Naquela sexta-feira à noite em que os acelerados pela YouPix se apresentaram, o segundo lugar na escolha dos jurados foi o Leo Hawn, que analisa personagens da cultura pop (de Don Draper a Touro Ferdinando, passando por Ferris Bueller e Naruto) pra falar de emoções e aprofundar temas como beleza, paternidade, preconceito contra asiáticos, medo de amar e pressões da sociedade em geral. Dá vontade de pedir pra passar os vídeos nas escolas.
Com o brilho no olho do vencedor da noite, Pedro Loos, embarcamos no sonho de democratizar a ciência. Professor de Física, ele grava vídeos simplificando conceitos complexos e não deixa de fazer humor, discutir bullying e até postar umas fotos biscoiteiras. Porque o homem não precisa ser só o nerd ou o surfista, certo? Não é um canal para discutir a masculinidade, mas traz mensagens essenciais para os meninos: não se limitar a um estereótipo, correr atrás dos objetivos e expressar sentimentos, seja tocando violão ou falando sobre o Dilema Ético dos Carros Autônomos.
Não parou por aí. Teve o casal que toca o canal Ter.A.Pia, em que pessoas contam sua história enquanto dão conta da louça pra lavar, o Chega Junto de Murilo Ribeiro, que debate diversidade, o Indômito de Giovane Puer provocando o público a explorar novas linguagens na produção de conteúdo usando apenas o celular. O Trippers.tv, que viaja para descobrir o melhor em cada pessoa. O Bruno Germano falando de tecnologia. O Marcos Lima, do Histórias de Cego, fazendo todo mundo rir e ao mesmo tempo refletir sobre um mundo que ainda não acolhe pessoas com deficiência e o Pedro Amaral, falando de desenvolvimento pessoal através do esporte. Esse foi um recorte, 15 selecionados entre os 806 inscritos para a curadoria criteriosa do YouPix. Mas todos, de alguma forma, trazem propostas de conversas sensíveis e mostram que o conteúdo masculino pode ir bem além das caixinhas de humor, esportes, games e outras.
Que a sensibilidade desabe sobre os homens. A gente agradece.
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