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Opinião

A Terceira Margem do Rio

A cultura de uma empresa vai moldar sua relação com concorrentes, consumidores e sociedade, sendo responsável por sua continuidade (ou extinção)


17 de outubro de 2022 - 15h00

Crédito: Shutterstock

As mudanças tecnológicas, demográficas e econômicas das últimas décadas estão implodindo os mecanismos tradicionais de construção de marcas, reputação e mensuração da comunicação das empresas, mas ao mesmo tempo convivem com a força de tradições profundamente enraizadas na sociedade brasileira. Em poucas situações isso fica mais evidente do que na análise da comunicação da atual campanha presidencial.

Começando pelas pesquisas, que sofrem com a velocidade crescente do fluxo de informações e a consequente dificuldade em registrar a volatilidade das opiniões, até a escassez de propostas que dialoguem com o futuro do país e não com seu passado, encontramos um cenário parecido em muitos ambientes corporativos brasileiros.

Nas últimas semanas participei de debates com três grupos diferentes de dirigentes empresariais, responsáveis por empresas de referência em diversos setores da economia. Aproveitei estas ocasiões para também sondar suas percepções sobre alguns temas como novos formatos de trabalho, papel social das corporações e de seus dirigentes e o uso de novas ferramentas de comunicação. A polarização entre modernidade e tradição foi o que mais me marcou nas manifestações destes dirigentes.

Se de um lado temos uma parcela expressiva que incorpora valores decorrentes de novos formatos de trabalho e consumo, de outro permanece um grupo razoavelmente desconectado de demandas ambientais, sociais e de governança que pautam a mídia clássica e o discurso corporativo mais sintonizado com o bem-estar individual. A impressão para esta parcela é que passado este período turbulento “pós-pandemia e eleição”, tudo volta a se “ajeitar” aos padrões da década passada. Acredito que o choque de realidade deste grupo será brutal, embora diluído no tempo.

Um bom exemplo é o que está acontecendo nos mercados financeiros, que acabam funcionando como uma “correia de transmissão” para os demais setores da economia. A ausência de políticas monetárias sincronizadas (sintoma de uma dificuldade crescente por parte de organismos centralizados como os governos), um mercado de trabalho que reage de forma diferente ao aumento de juros (fruto de transformações demográficas) e “bolhas” isoladas de aumento de preços (fruto de rearranjos nas matrizes energéticas e de alterações na distribuição do consumo) contribuem para uma instabilidade crescente, minando a confiança no futuro e estimulando o ressurgimento (ou a permanência) de velhas dicotomias.

Mas o fluxo de transformações não cabe mais nas margens estreitas dos conceitos que moldaram o século XX (e os debates que mencionei): comunicação de massa (centralizada) versus comunicação de nicho (descentralizada); trabalho “autoral” versus trabalho mecânico; “racionalidade” dos mercados versus irracionalidade do comportamento individual; criatividade versus organização (todos temas também presentes em diversos momentos do último Maximídia, conforme podemos inferir simplesmente pelo título das palestras.

Em última análise, a cultura de uma empresa vai moldar sua relação com concorrentes, consumidores e sociedade, sendo responsável por sua continuidade (ou extinção). Isso exige repensar o papel de seus líderes para além de simples instâncias finais de planejamento e controle por onde corre o fluxo dos recursos organizacionais, cada vez mais “acelerados” pelas mudanças tecnológicas. E aqui entra um termo chave para superar a polarização: confiança, a crença que um líder, uma empresa ou uma marca vão agir de forma a buscar o benefício mútuo para as partes envolvidas em uma troca (seja eu um empregado, consumidor ou cidadão). Essa é a “nova margem” que vai exigir dos dirigentes corporativos uma atenção cada vez maior com demandas sociais que no passado pertenciam mais a esfera política do que empresarial.

Há exatos quatro anos (16/10/2018), publiquei aqui neste espaço um artigo no qual alertava que os resultados do primeiro turno da eleição presidencial mostravam um país cada vez mais polarizado, e que as empresas seriam convocadas para fazer parte deste debate, querendo ou não. Mais recentemente, uma pesquisa de Edelman mostrou que boa parte da opinião pública brasileira espera que os dirigentes empresarias se posicionem sobre temas de interesse da sociedade. Arriscado? Com certeza. Mas não acho que sobrarão muitas opções para quem não quiser participar desta discussão. Afinal, “viver é muito perigoso”, como também escreveu Guimarães Rosa. Mas exatamente como caminhar pelas “veredas” destes novos tempos é algo que ainda precisamos desbravar. Bom voto!

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