A todos os meus amigos, robôs de LinkedIn
O trabalho deveria ser uma extensão da nossa cultura, pensamento e identidade e não apenas uma atividade fria e meramente econômica
O trabalho deveria ser uma extensão da nossa cultura, pensamento e identidade e não apenas uma atividade fria e meramente econômica
24 de fevereiro de 2025 - 17h00
Vou começar este texto pela conclusão. Assim, quem sabe, a correria do dia a dia de trabalho não nos atrapalhe de chegar na parte que considero mais importante: esconder nossa personalidade atrás de posts padrões, comentários feitos por inteligência artificial (IA) e regras limitantes sobre o que pode e não pode no LinkedIn está deixando tudo muito chato, sem nenhuma identidade e nos transformando em parte de uma paisagem quadrada, vazia e sem nenhum ponto de vista.
Agora, vamos à ordem normal do texto.
Fale a verdade, você conhece alguém que goste da plataforma? Que verbalize, tal como verbaliza sobre o TikTok, que adora escrever lá e passar horas acompanhando o conteúdo? Acredito que o problema não é a rede, mas, sim, a forma com que as pessoas falam sobre trabalho e sobre si mesmas. Tá ruim, robótico, artificial e alguém precisa falar sobre isso. Pesquisei rapidinho “o que não fazer no LinkedIn”. Li o primeiro link que me pareceu confiável, tal como provavelmente faria em uma experiência normal. Foram mais de dez tópicos de dicas e nenhum deles falou sobre “não esconder seu ponto de vista ou pensamento”. Mas, mais do que escrever uma boa bio e escolher uma boa foto, quero ver profissionais que têm visão crítica, que agem como seres pensantes e se mostram únicos no mundo. Será que eu mesma estou fazendo isso? Será que você está?
Meses atrás, fiz um curso. O que não postei, mas deveria ter postado, é que a maior parte do conteúdo (70%) de um bom LinkedIn precisa ser feito para ajudar a rede com repertório, estudos, insights etc. E que só os 30% restantes precisam ser para contar seus projetos ou se vender diretamente.
Depois disso, comecei a reparar nos meus próprios posts. Dentre os comentários que recebi, apareceram dois tipos que me chamaram a atenção: o primeiro, de autoafirmação e superioridade, em que a pessoa se esforça para mostrar que pensou aquilo que você postou antes que você. O segundo, ainda mais curioso, que deixa claro que ela construiu cada palavra usando IA e deixando a sua própria inteligência de lado. Fiquei pensando se eu mesma nunca fiz isso em outros posts assim e se realmente estou mostrando o que penso na rede. No lugar de chegar a boas conclusões, cheguei a este texto.
O fato é que o trabalho deveria ser uma extensão de nossa cultura, pensamento e identidade e não apenas uma atividade fria e meramente econômica. Passaremos mais horas trabalhando na vida do que convivendo com a maioria das pessoas de nossa família e/ou que amamos (uma matemática simples feita na sua própria calculadora pode te mostrar, por exemplo, que você passará, em média, 20 vezes mais tempo trabalhando do que vendo seus avós ao longo de toda a sua vida).
Nossa profissão tem um peso gigante na formulação da nossa identidade e continuará tendo, pelo menos enquanto vivermos neste sistema. Nesse sentido, por favor, não me conte apenas sua mudança de cargo, seu novo projeto e seu último curso. Gostaria de saber o que você pensa sobre política, sobre cultura, sobre seus próprios projetos e sobre o mercado em si. Gostaria de ler textos verdadeiros, escritos com suas palavras, seus possíveis erros de vírgula e suas pausas dramáticas.
Gostaria de me espelhar em profissionais pelo que pensam, não só pelo que fazem. De conhecer talentos brilhantes para contratar não apenas por suas habilidades técnicas, mas também por excelentes habilidades comportamentais e referências. Gostaria que não escondêssemos 90% do que pensamos por medo de abrir debates que hoje não parecem caber numa rede social sobre trabalho.
Ok. Estamos chegando ao fim do texto e já gastei minha conclusão no primeiro parágrafo. Então, vou terminar o texto com o que seria uma boa introdução: Agir como um robô não necessariamente significa usar uma IA, mas, sim, eliminar o pensamento crítico, tirar de jogo a sua personalidade e fazer exatamente o que as pessoas esperam que a gente faça, dentro e fora do LinkedIn. E será que você tem sido parte disso?
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