A velha roupa colorida fica cada vez mais nova
O sonho de toda marca é virar parte da cultura – mas realizar esse sonho é trabalho duro; a Levi’s contou como faz isso, se reinventando há dois séculos
A velha roupa colorida fica cada vez mais nova
BuscarA velha roupa colorida fica cada vez mais nova
BuscarO sonho de toda marca é virar parte da cultura – mas realizar esse sonho é trabalho duro; a Levi’s contou como faz isso, se reinventando há dois séculos
Novos conceitos, produtos inovadores e marcas disruptivas são o sonho de quem trabalha com marcas. Agora, como você cria buzz, engajamento e credibilidade, principalmente nas novas gerações, quando trabalha com uma marca que tem quase 200 anos?
Foi esse segredo que a historiadora Tracey Panek compartilhou ontem no segundo dia do The Gathering, o evento que acontece há 11 anos nas montanhas de Banff, no Canadá, para discutir as marcas e suas conexões com a cultura e com seus públicos. Panek tem um dos empregos mais legais do mundo. Ela é a historiadora-chefe da Levi’s – isso mesmo, a marca de jeans que é um ícone global. E a primeira lição que vem dessa conversa é que ser uma referência cultural dá trabalho e exige investimento. Em branding, em pesquisa, em relacionamento com grupos e com pessoas específicas. Por exemplo? A empresa tem um acervo onde guarda toda a documentação que pode ser útil para contar a história da marca e sua presença no mundo. Isso inclui desde achados arqueológicos – como uma calça do século 19 que foi desenterrada no deserto – até artigos de fã-clube, como as calças que Steve Jobs usava quando criou a Apple, e que precisaram ser arrematadas em um leilão.
A Levi’s foi fundada em 1853. A famosa marca com o desenho dos cavalos puxando a calça (para mostrar que ela não rasgava de jeito nenhum) foi registrada em 1886. Mas a marca está bombando nas redes e nas playlists nesse exato momento, graças à campanha com a cantora Beyoncé, que entrou no ar há três semanas. Beyoncé canta sua música, não por coincidência chamada Levi’s Jeans, em um comercial que é um cover de outro vídeo icônico da marca. No original, veiculado em 1985, um rapaz com pinta de galã entrava em uma lavanderia ao som de I Heard it Through The Grapevine, o clássico de Marvin Gaye. Então, ele tirava todas as roupas até ficar só de cueca. Colocava sua Levi’s na máquina para lavar e ficava aguardando, enquanto as outras pessoas olhavam chocadas (ou interessadas). Na nova versão, é Beyoncé que fica só de calcinha na lavanderia, ao som de sua própria canção. O comercial é o primeiro de uma série que Beyoncé vai fazer com a marca, todos remakes de vídeos clássicos.
Não é uma coisa que qualquer marca consegue fazer, porque a Levi’s está na cultura americana e mundial há muito tempo. O que a maioria das pessoas não percebe, e que Panek demonstra muito bem, é que para fazer parte da cultura a marca sempre investiu nesse relacionamento com seus públicos e na sua ressignificação ao longo das gerações. A calça surgiu como uma roupa de trabalho, sem nenhuma pretensão de chegar ao mundo da moda. Mas ao longo dos anos foi investindo em uma curadoria de conteúdos e fazendo parcerias com algumas das cabeças mais criativas do mundo. Então, na época da cultura hippie e do festival de Woodstock, a marca fez uma parceria com a banda Jefferson Airplane, uma das headliners do festival, para lançar sua linha de jeans brancos. Nos anos 1990, contratou o diretor Spike Lee para fazer uma série de comerciais. E por aí vai.
A marca também investe em registrar e documentar as formas pela qual ela participa da vida das pessoas, o que é parte do trabalho de Panek e sua equipe. No ano passado, uma campanha da Levi’s tratou justamente de contar histórias reais de pessoas do mundo inteiro com os jeans. Estavam lá desde o camponês do leste europeu que trocou sua vaca por uma calça, até o americano que pediu para ser enterrado com seus jeans – e exigiu que todos os amigos e parentes fossem ao velório com os deles. Muitas empresas relembram o passado para falar sobre suas tradições. A diferença da Levi’s é que ela investe em criar um passado de memórias a cada dia – e recupera as lembranças de um jeito diferente de cada vez. Beyoncé, por exemplo, já tinha trabalhado com a marca em 2001, quando ainda era parte do grupo Destiny’s Child e ajudou a lançar as calças de cintura baixa.
Então, o que as marcas podem aprender com a história da Levi’s? Creio que podemos resumir em alguns pontos:
Panek nos faz pensar que a idade de uma marca não é desculpa para que ela se acomode e deixe de inovar. Afinal de contas, ninguém cabe no mesmo par de jeans para sempre.
Compartilhe
Veja também
Marcas: a tênue linha entre memória e esquecimento
Tudo o que esquecemos advém do fato de estarmos operando no modo automático da existência
Preço do sucesso
Avanço da inteligência artificial encoraja multinacionais a mudarem políticas de remuneração de agências, mas adoção de success fee esbarra na falta de métricas e na baixa transparência das relações comerciais