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Opinião

A vida maravilhosa de uma péssima ideia

A arte de usar a criatividade no núcleo de uma cultura ainda é para poucos, mas paga o investimento


28 de outubro de 2019 - 10h19

(Crédito: Reprodução)

O mundo está cheio de ideias erradas, isso todos nós sabemos. Também está cheio de ideias ruins vingando, brigando pelo sol com as poucas ideias boas que andam por aí. Difícil encontrar uma ideia brilhante, mas elas também existem e seguem criando prosperidade e abundância para as pessoas, para os negócios e para o mundo.

O mundo também está cheio de ideias tortas, que nascem incompletas e vão tomando corpo ao longo do tempo, ganhando força, ocupando espaço. No nascimento, na hora do big bang, difícil mesmo é dizer quais delas, erradas, ruins ou brilhantes, vão crescer, tomar espaço e gerar aquele efeito multiplicador natural das ideias.

“Isso nunca vai funcionar”. Quem nunca recebeu esse veredito na hora de dividir um momento de inspiração qualquer? Foi o que Marc Randolph, cofundador e primeiro CEO da Netflix, ouviu de sua esposa quando contou a ideia de entregar DVDs pelo correio e concorrer com as videolocadoras daquela época. Um tiro na lata. A sentença de morte também virou o título de seu livro de memórias — Isso Nunca Irá Funcionar: o Nascimento da Netflix e a Vida Maravilhosa de Uma Ideia. Não se trata da história da vida perfeita de uma ideia perfeita, mas das várias vidas de uma ideia flexível, em andamento até hoje. Ou das várias ideias derivadas de uma ideia aberta o suficiente para receber energia em doses constantes. Ainda bem que ele e Reed Hastings não desistiram da proposta original, criando uma cultura única e uma companhia incansável na inventividade diante de qualquer limite externo. A arte de usar a criatividade no núcleo de uma cultura ainda é para poucos, mas paga o investimento.

Quanto vale uma ideia pouco sofisticada, porém, carregada de possibilidades, com muito trabalho e brilho encima? Quanto valem os movimentos genuinamente criativos em momentos de maior risco, no desenvolvimento de uma ideia que nasceu incompleta? Mais de US$ 110 bilhões, no caso da Netflix.

Na lista daqueles que começaram negócios brilhantes com ideias discutíveis está Brian Chesky, CEO do Airbnb. Em entrevista para a CBS, na ocasião do lançamento do primeiro filme de longa- metragem produzido pela companhia, ele conta: “Cerca de dez anos atrás, eu estava em um quarto de hotel contando a ideia para alguém e ouvi: ‘Bryan, sinceramente, espero que esta não seja a única ideia em que você está trabalhando. As pessoas jamais vão se hospedar na casa de outras pessoas’”. Aqui, a mesma história de movimentos estratégicos brilhantes, de enfrentamento dos riscos com inventividade e de abertura de caminhos criativos em alinhamento com propósitos de negócios. A entrevista de Chesky é uma aula de comunicação, onde um assunto leva naturalmente a outro e tudo junto faz sentido. Todas as pontas, dos movimentos mais fora da caixa aos problemas mais sensíveis, se conectam de forma extraordinária, fazendo tudo parecer sistematicamente consistente e coerente. Deste jeito, uma ideia ruim acaba se transformando em uma ideia perfeita, seja por sua flexibilidade ou pela multiplicidade de dimensões que suporta.

Quanto vale uma ideia incompleta, quando avaliada de um novo ponto de vista, quando capaz de gerar uma cultura baseada na curiosidade, na abertura e na investigação criativa? Quanto vale trabalhar cuidadosamente para entregar experiências excepcionais nascidas a partir de uma ideia imperfeita? Seis anos depois de sua fundação, o Airbnb (a companhia, não a ideia) está avaliado em US$ 31 bilhões, com expectativas de ir para um IPO no próximo ano.

Afinal, quanto vale uma ideia ruim? Meus colegas que me desculpem a heresia, mas vale tanto quanto a mais brilhante. Ideias precisam ganhar vida, tomar corpo, precisam evoluir para que exerçam plenamente seu papel. No mundo acelerado, elas vão além do brilho e dependem vitalmente do seu poder de transformação e adaptação.

*Crédito da foto no topo: Mfto/iStock

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