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A violação de direitos fundamentais no PL 504

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Opinião

A violação de direitos fundamentais no PL 504

Ao restringir o conteúdo da atividade publicitária em relação a determinado segmento da sociedade, o Projeto de Lei contraria a liberdade de expressão da atividade intelectual e cria espécie de censura de forma velada


28 de abril de 2021 - 11h15

(Crédito: Smartboy10/ iStock)

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo prevê que seja votado nesta quarta-feira (28) o polêmico Projeto de Lei 504/2020, que proíbe a veiculação de publicidade com famílias homoafetivas ou pessoas LGBTQIA+ no Estado. De acordo com o texto elaborado pela deputada estadual Marta Costa (PSD), a divulgação que faça “alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual” seria “danosa às crianças” e causaria “desconforto emocional a inúmeras famílias”.

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que independentemente do conteúdo presente no Projeto de Lei, a proposta viola flagrantemente a Constituição Federal sob o aspecto formal. O artigo 22 da Carta Magna, ao listar o rol de competências privativas da União, estabeleceu a competência do ente federal para legislar sobre a propaganda comercial. Portanto, falta competência aos Estados para editarem leis sobre o tema.

Mas quanto ao aspecto material, ou seja, ao conteúdo do texto que será votado, também há inconstitucionalidade por violar direitos fundamentais.

O artigo 1º do Projeto de Lei é o cerne de todo o imbróglio jurídico e a matriz da veia discriminatória que está mascarada por trás do suposto objetivo de proteção às crianças. De acordo com o texto, passaria a ser “vedado em todo o território do Estado de São Paulo, a publicidade, por intermédio de qualquer veículo de comunicação e mídia que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças”.

A proteção à criança é um mandamento constitucional. Cabe à família, à sociedade e ao Estado colocar as crianças a salvo de toda forma de violência, inclusive a psíquica, bem como mantê-la livre de discriminação e opressão de qualquer ordem.

Todavia, a pretexto de agir com foco na proteção à criança, o legislador não pode fazer qualquer distinção de gênero ou orientação sexual, ou, como quer a assembleia paulista, não pode ser feita segregação em razão da “preferência sexual”.

A proteção deve ser irrestrita, sem qualquer traço discriminatório. O cuidado da criança deveria ater-se a toda e qualquer exposição em relação ao conteúdo sexual, independentemente da orientação exposta na campanha publicitária.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) quando criou, no art. 241-D, I, o tipo penal específico que criminaliza a facilitação ou a indução “à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica”, não fez qualquer distinção sobre se a cena de sexo prevista no tipo penal seria heterossexual ou não. Vedou-se a exposição da criança a cenas de sexo e ponto final.

O que se espera do legislador paulista é que aja da mesma forma, com total observância aos direitos fundamentais da pessoa humana, sem qualquer traço discriminatório.

Pelo teor do Projeto de Lei na Alesp, todavia, a parlamentar claramente tem por objetivo tangenciar tão somente os direitos da comunidade LGBTQIA+ em clara violação constitucional.

O inciso IV do artigo 3º da Constituição de 1988 dispõe que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

O artigo 1º do PL 504/20, todavia, caminha no sentido diametralmente oposto a este objetivo fundamental: ao revés da promoção do bem de todos sem qualquer forma de discriminação, promove justamente ato discriminatório ao segregar a orientação sexual do indivíduo.

Além disso, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, de acordo com o art. 5º da Constituição, o que veda qualquer conduta discriminatória pelo Estado.

Não obstante, entre os direitos fundamentais listados no referido artigo, percebe-se que o Projeto de Lei viola também o inciso IX, que estabelece ser “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Ao restringir o conteúdo da atividade publicitária em relação a determinado segmento da sociedade, o Projeto de Lei contraria a liberdade de expressão da atividade intelectual e cria espécie de censura de forma velada.

Por fim, há clara violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Todo cidadão brasileiro tem direito à vida digna, conforme consagrado no inciso III do artigo 1º da Constituição de 1988. Trata-se, sem sombra de dúvidas, do mais importante e absoluto princípio que alicerça o nosso ordenamento jurídico.

O Projeto de Lei 504/20 ignora por completo a dignidade da pessoa humana ao segregar as pessoas de acordo com a sua orientação sexual. Da forma em que está disposto, os cidadãos paulistanos passarão a ser classificados de acordo com a sua orientação sexual, o que é, a toda evidência, deveras vexatório e contrário ao que impõe o princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, o PL 504/20 é inconstitucional, não somente por interferir a competência privativa da União, como também por violar o princípio da isonomia, o direito fundamental à liberdade intelectual e de expressão, e sobretudo, por não respeitar a dignidade da pessoa humana.

*Crédito da foto no topo: JBKdviweXI/ Unsplash 

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