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Ainda sobre publicidade infantil

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Opinião

Ainda sobre publicidade infantil

Parecia que o marketing já tinha superado essa discussão


8 de maio de 2020 - 16h06

(Crédito: Vesnaandjic/istock)

Um pouco antes de entrarmos nos caminhos desconhecidos de uma pandemia, a ABA me surpreende lançando um guia: “Marketing Responsável. Garantias e Limites da Publicidade Infantil. A ABA em prol da Publicidade Responsável”.

Anos de debate, de compreensão do que é a infância, do posicionamento de inúmeros especialistas, de dados sobre o aumento de doenças como resultado das escolhas de produção da nossa indústria da alimentação, da discussão em torno da abusividade de ações promovidas por marcas nas escolas e me pergunto: como ainda podemos falar da publicidade infantil como se nada disso tivesse acontecido?

No Brasil e no mundo, está mais do que claro que, tratar a infância exclusivamente segundo interesses comerciais, é um desrespeito à vulnerabilidade de uma criança. É fazê-la desejar, quase nunca o saudável e, muitas vezes, o que sua família não pode comprar. Nesses casos é mais do que desrespeito, é violência.

Parecia que o marketing já tinha superado essa discussão. Tanto que grandes marcas estão mudando suas formas de atuar. Ao longo dos últimos 15 anos, especialistas de todas as áreas começaram a estudar a publicidade infantil e suas consequências negativas. As análises e opiniões são múltiplas e consistentes. Portanto, chega a ser leviano a ABA voltar ao ponto zero. Sim, ponto zero, porque a publicidade infantil já é proibida no Brasil:

Basta a leitura da Resolução n. 163 do Conanda, dos artigos 36, 37 e 39 do Código de Defesa do Consumidor, dos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente e da própria Constituição Federal, especialmente o artigo 227, para se concluir pela abusividade da publicidade infantil e, portanto, sua proibição. É o que vem sendo reafirmado por inúmeras decisões nos Tribunais de Justiça espalhados pelo Brasil e, paradigmaticamente, pelo Superior Tribunal de Justiça, que, nos julgamentos sobre o tema, tem reafirmado que direcionar publicidade para crianças é prática considerada contrária às normas nacionais e internacionais.

Trabalhei com publicidade durante 40 anos. Comecei muito jovem e fui, pouco a pouco, entendendo o que acontecia. Com o tempo, comecei a exercer uma forte resistência dentro das agências. Muitos criativos me achavam muito chata. E estávamos ainda na ditadura. Minhas observações aos comerciais preconceituosos (racistas, por exemplo) eram consideradas censura.

Tal qual a ABA que, hoje, passa por cima de mais de dez anos de conhecimento, de pesquisas e de especialistas em várias áreas, para alegar que proibir a publicidade infantil é censurar. Não se trata de censura, e tampouco era a censura que me inspirava na década de 1970/1980. Aliás, eu era – e sou – contra a ditadura e todo e qualquer cerceamento à liberdade.

Talvez, o marketing seja mais uma área onde o negacionismo entra em ação e, assim, rejeitam-se as pesquisas e os fatos ficam escondidos nas opiniões. Nega-se a ciência, o que, aliás, virou moda nesse país. A publicidade de produtos alimentícios, por exemplo, especialmente a de processados, que tanto lucro gera para a indústria alimentícia, está mais do que provado, gera obesidade e diabete infantil.

Claro que estes produtos não geram apelo apenas para o público infantil, eles também suprem o desejo da praticidade para lidar com a rotina corrida das famílias que trabalham e não tem mais tempo de cozinhar o feijão. O dia das crianças e o Natal são as datas em que, tantas vezes, vi meus filhos e netos largarem dos brinquedos novos em 15 minutos para, a seguir, brincarem com as caixas e seus encaixes.

Tudo que fazemos gera consequência. A consciência desses resultados me levou a criticar a publicidade infantil com “muito lugar de fala”. Levei mais tempo para me dar conta do desastre da publicidade para a alimentação, já que os processados apenas começavam a chegar no Brasil quando eu atuava na criação dessas campanhas. Mas, ao longo dos anos em pesquisas, descobri jovens que só se alimentavam de macarrão processado, ou almoçavam coxinha e, assim, seguiam numa fase importante de crescimento.

Conheço como os profissionais de marketing fazem seu trabalho. Como realizam as pesquisas para descobrir o que falar para atrair a atenção das crianças. Não vendemos produtos ou serviços. Vendemos valores! Uma forma de ter para ser.

Muitas vezes, mães e pais deixam de fazer o que acham certo, influenciados pelas insistências das crianças, que se unem no coletivo escola, criando hábitos que são quase manias. Tudo vira padrão e acho que um bom exemplo são as festas de aniversário. Viraram um horror, onde não podemos mais nem ver a criança feliz abrindo o presente. O presente vai para uma caixa grande para ser aberto depois e não gastar tempo para consumir e participar de brincadeiras padronizadas.

Tenho muita esperança sobre algo bom que possa nascer desse terror da pandemia que estamos vivendo. Imaginar é o que mais podemos fazer quando estamos isolados. Quando se abrirem as portas dos apartamentos, nossas crianças perceberão o que roubamos delas: a brincadeira espontânea, a natureza com formigas carregando folhas, o céu com desenhos de nuvens, uma mãe que começou a cozinhar e um pai que, imagine, sabe brincar! Vai lembrar com carinho de um tempo que seus pais e irmãos tiveram tempo de brincar, só brincar. Continuaram a ver filmes e mexendo nos celulares, mas descobriram tantas novidades!

Talvez, também os pais, as famílias, jamais serão as mesmas! E os profissionais de marketing? Bem, já faz muito tempo que falo com as pessoas que estão por trás desses papéis profissionais.

**Crédito da imagem no topo: Reprodução

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