Assinar

Algumas lições sobre o TikTok

Buscar
Publicidade
Opinião

Algumas lições sobre o TikTok

Crescimento da plataforma entre crianças e adolescentes tem despertado a preocupação de players já estabelecidos no mundo das redes sociais


15 de outubro de 2019 - 14h00

(Crédito: iStock)

Já havia lido alguns artigos na imprensa internacional sobre o rápido crescimento do TikTok entre as gerações Z e Alpha, mas foi só há cerca de um mês, quando meu filho Theodoro, de nove anos, pediu para baixar no meu celular o aplicativo chinês de micro vídeos que um novo mundo se descortinou na palma das minhas mãos. Theo ainda não tem celular e usa o meu por algumas horas aos finais de semana para postar seus vídeos de 15 segundos com diversos efeitos e trilhas divertidas. É lá que está grande parte dos amigos da escola e outras crianças da mesma faixa etária. Para além da constatação de que, como típica representante da geração X, sou mera expectadora do app, o TikTok chama a atenção do mundo por uma série de fatores. Listo aqui alguns deles:

1. Engajamento e tempo dedicado: o que realmente faz do TikTok um fenômeno que já está preocupando outras redes sociais é o nível de comprometimento de seus usuários, em comparação com alguém postando uma foto ou vídeo no Instagram ou atualizando seu status no Facebook. De acordo com a empresa de pesquisa AppAnnie, que monitora downloads de aplicativos móveis, fora da China, os usuários do Android gastaram 1,1 bilhão de horas no TikTok em agosto, um aumento de 400% em relação ao ano anterior.

É necessário dedicar bastante tempo para fazer um bom vídeo no aplicativo. O conteúdo é diverso, mas gira em torno de interpretação de músicas, esquetes de humor caseiras, desafios e muitos monólogos adolescentes. Os virais têm uma mecânica peculiar. Logo após viralizarem na própria plataforma, atingem um público maior através da repostagem no Stories do Instagram ou Twitter. O sucesso da rede começou quando a chinesa ByteDance comprou o aplicativo Musical.ly, famoso pelos vídeos de lipsync, e fundiu as plataformas, unindo ferramentas de edição de vídeo e filtros com músicas, herdando uma base de milhões de usuários.

2. Lucro surpreendente: estamos falando do primeiro produto de social media para usuários construído por um dos gigantes de tecnologia chinesa que está se saindo bem globalmente. Tem crescido nos Estados Unidos, Europa e Índia. Dados recentes obtidos pela agência Reuters mostraram que a ByteDance, de pouco mais de seis anos, obteve receita entre US$ 7 bilhões e US$ 8,4 bilhões em 2018. E, apesar de ter sofrido prejuízos durante o período, obteve, pela primeira vez, lucro em junho, e está confiante em continuar lucrando na segunda metade do ano.

Tal feito garantiu à empresa uma avaliação de US$ 75 bilhões em sua mais recente rodada de captação de recursos, ultrapassando a Uber Technologies no ranking global de unicórnios, depois de atrair apoio do SoftBank Group, KKR & Co. e General Atlantic. Fundada por Zhang Yiming, 35 anos, a ByteDance evoluiu para um império de conteúdo multifacetado, abrangendo TikTok — conhecido como Douyin na China — e outras plataformas de notícias, humor e fofocas de celebridades. TikTok e Douyin tinham um total de 500 milhões de usuários ativos mensais em julho.

3. Potencial para educação: com sua enorme base de fãs entre crianças a partir de oito anos, a ByteDance está desenvolvendo um lado mais sério de seus negócios que a geração mais jovem, que adora diversão, pode não gostar: educação online. Recentemente, a empresa adquiriu patentes da fabricante chinesa de smartphones Smartisan para “explorar o negócio da educação”, de acordo com comunicado oficial divulgado à imprensa internacional, sem revelar detalhes. A decisão é a mais recente tentativa da companhia de expandir-se para o setor educacional, em meio aos controles rígidos do ciberespaço de Pequim, que exigem que os pequenos operadores de aplicativos de vídeo censurem mais fortemente seu conteúdo.

O crescimento mais lento da segunda maior economia do mundo provavelmente atingirá a ByteDance, que depende muito da receita de publicidade gerada por seus principais negócios de conteúdo, como vídeos e notícias curtas. Em maio de 2018, a empresa fez sua primeira incursão na educação com o lançamento beta do Gogokid, uma plataforma de tutoriais em que crianças chinesas aprendem inglês online por professores estrangeiros. No início deste ano, foi a vez de lançar um aplicativo de conteúdo pago chamado Haohao Xuexi, que literalmente significa “estudar muito”. A plataforma oferece uma variedade de conteúdo que abrange dicas de carreira, cultura, como lidar com os pais, gerenciamento de patrimônio (sim, na China se começa cedo os ensinamentos sobre finanças), além de audiolivros.

4. Preocupações com a segurança e censura: o rápido crescimento do TikTok também carrega consigo preocupações sobre a segurança da plataforma. No início deste ano, uma investigação da BBC descobriu que o app falhou em fechar as contas de alguns usuários adultos que entraram em contato com crianças com mensagens sexuais. Também está claro que, por ser uma empresa chinesa, carrega consigo tudo o que isso implica em termos de censura. O jornal britânico The Guardian publicou, recentemente, um vazamento de documentos internos, mostrando que os moderadores são instruídos a excluir vídeos que mencionam assuntos sensíveis, como a Praça da Paz Celestial. Há também suspeitas de que a discussão sobre os recentes distúrbios em Hong Kong tenha sido censurada.

No entanto, para os milhões de crianças e adolescentes do Ocidente que estão aderindo à plataforma, não faz a menor diferença o fato do TikTok pertencer a uma empresa chinesa. E é exatamente o crescimento nessa parcela da população que tem despertado a preocupação de players já estabelecidos no mundo das redes sociais. O site The Verge publicou há algumas semanas o vazamento do áudio de uma reunião da equipe do Facebook que mostra seu fundador, Mark Zuckerberg, dizendo à equipe o quão rápido o TikTok está crescendo.

Boa parte do público que antes estava no Instagram tem migrado para o app chinês, além de atrair novos adeptos que pela primeira vez na vida experimentam fazer parte de uma rede social. É o caso do meu filho Theodoro que está radiante por estar chegando à casa de seus primeiros 50 seguidores. Isso explica muito bem a preocupação de Zuckerberg.

*Crédito da foto no topo: iStock

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • A consciência é sua

    A consciência é sua

    Como anda o pacto que as maiores agências do País firmaram para aumentar a contratação de profissionais negros e criar ambientes corporativos mais inclusivos?

  • Marcas: a tênue linha entre memória e esquecimento

    Tudo o que esquecemos advém do fato de estarmos operando no modo automático da existência