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Opinião

Alguns palpites para os anos 2020

O marketing e a publicidade vão enfatizar o uso da tecnologia e a confiança para gerar experiências únicas e acessos diferenciados para os consumidores no topo da pirâmide


14 de janeiro de 2020 - 14h00

(Crédito: Nadla/iStock)

“There are two kinds of forecasters: those who don’t know, and those who don’t know they don’t know”,

John Kenneth Galbraith

Diversos fatores conspiram contra uma análise objetiva das tendências para os próximos anos: viés de confirmação, pensamento grupal, superficialidade embalada em dados equivocados (essa é abundante nas redes sociais) e o simples fato de que o conhecimento é limitado, mas nossa ignorância é infinita. Por isso que, em análise de cenários, o foco deve ser em plausabilidade, e não em probabilidade: mais do que a margem de acerto, de interesse exclusivo dos contadores de feijão que habitam os departamentos financeiros, a preocupação é entender como diversas tendências se influenciam mutuamente e como essa combinação afeta fornecedores, consumidores e concorrentes.

Se olharmos para a próxima década (que começa mesmo em 2021, e não este ano) vamos verificar três grandes forças em ação na relação entre marcas, comunicação e consumidores (tecnologia, propósito e confiança), sob um pano de fundo macroeconômico e geopolítico (a concentração de renda e desglobalização).

Poucas empresas irão conseguir vantagem competitiva no futuro se não demonstrarem de forma clara que estão preocupadas com a sustentabilidade, tanto em termos do impacto dos seus processos produtivos no ambiente quanto suas responsabilidades como “pessoas jurídicas” dentro da coletividade que permite sua existência. Os últimos 30 anos foram marcados pela supremacia absoluta da noção do shareholder value, fruto da reação corporativa aos movimentos sociais dos anos 1960  e a necessidade das organizações americanas responderem a “invasão japonesa” que se iniciou nos anos 1970 (by the way, naquela época pipocavam conselhos sobre a importância de se aprender japonês e as romarias empresariais ao Japão, assim como vemos hoje em relação à China).

A mudança não virá por conta da retórica ou do impacto financeiro desses problemas (que tendem a ser rapidamente esquecidos pelo público ou absorvidos pelo mercado), mas sim da cobrança dos próprios investidores, através dos princípios conhecidos por ESG (sigla em inglês para meio ambiente, responsabilidade social e governança). Nos últimos anos, um grupo crescente de grandes fundos de investimento está anunciando sua adesão a esses princípios, e quando o “dinheiro” fala, os gestores escutam. As marcas terão que demonstrar seu compromisso com esses valores por questões de fluxo de caixa e atração de capitais, talvez mais até do que de vendas.

Outros dois pontos, tecnologia e confiança, estarão intimamente relacionados por questões setoriais (crescimento das transações mediadas por tecnologia, tanto em termos de marketing quanto de vendas) e também regulatórias. Com o aumento da tecnologia aplicada ao processo de marketing (o que não é uma tendência, mas um fato), é inevitável a captura da infraestrutura de análise de comportamento por grupos políticos dos mais variados matizes —como começamos a verificar desde a eleição de Trump. Essa tendência vai se intensificar com o surgimento daquilo que chamo de “realidade digitalmente fabricada”, uma combinação entre inteligência artificial, realidade aumentada e fake news. As marcas serão tragadas neste movimento (como já vemos no caso de pedidos de boicote de algumas empresas que são “acusadas” de favorecerem este ou aquele grupo político) e terão que se preparar para responder rapidamente aos questionamentos e mesmo “fake ads” que podem ser criadas por grupos de consumidores hostis. Neste caso, quanto mais investirem em atitudes que permitem criar confiança (disposição para o diálogo, transparência, demonstração de vulnerabilidade, consistência de comportamentos etc.), mais resiliência terão para enfrentar estes desafios.

Se conciliar essas três forças já é algo bastante desafiador para os gestores de marketing e comunicação, a complexidade aumenta quando pensamos no ambiente social e econômico que nossas empresas vão enfrentar por conta da concentração de renda e da reversão do processo de globalização que foi a tônica das últimas décadas — para ficar em seu aspecto mais óbvio, foi ele que possibilitou o financiamento das grandes holdings do nosso setor. Ainda não sabemos se a inteligência artificial vai criar mais do que destruir empregos, se a expansão da internet das coisas vai reduzir ou aumentar o consumo de produtos inúteis, e tantas outras coisas. Embora seja muito complexo medir a real contribuição das tecnologias digitais para a economia, existem evidências que o aumento do uso da tecnologia gera concentração de renda e, consequentemente, maior insatisfação social (vejam bem: a renda pode crescer para todo mundo de forma absoluta, mas as distâncias relativas aumentam, como aconteceu no Chile, por exemplo). Neste mundo com maior concentração de renda e mercados mais protegidos, o marketing e a publicidade vão enfatizar o uso da tecnologia e a confiança para gerar experiências únicas e acessos diferenciados para os consumidores no topo da pirâmide, enquanto as utilizam para baratear produtos e serviços para uma massa que embora não tão “precarizada” quanto na economia industrial, vai se ressentir cada vez mais da distância que a separa da elite. A “Era da Incerteza” encontra a “Era dos Extremos”, e os profissionais que souberem conciliar essas diferenças são aqueles vão atravessar bem a década. Feliz 2020.

*Crédito da foto no topo: Vedanti/Pexels

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