Artificial inteligência: a armadilha do senso comum
Pensamento crítico é o que permite tomar decisões difíceis e o sucesso disso depende do repertório cultural do marketeiro
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O tema desse artigo é inspirado no excelente webinar realizado recentemente entre Edney Souza e meu amigo Pyr Marcondes. Uma hora e oito minutos de uma curadoria muito didática e pedagógica, mas sobretudo muito generosa a respeito da tão citada “inteligência artificial” aplicada ao marketing. A vastidão do tema é sedutora, mas penso que tenho meus 20 centavos para contribuir, principalmente com os aprendizados oriundos do setor em que atuo.
O primeiro ponto para o qual chamo atenção se refere ao impacto causado pelo incremento da importância da IA na autoestima dos profissionais de marketing e no desempenho de suas funções. Seja quando falamos de analytics ou de chatbots é evidente que os dados provenientes do rastreamento digital só viabilizam interpretação e atribuição de significado quando há credibilidade estatística. Em outras palavras, é graças ao poder de processamento e velocidade dos algoritmos que se consegue transformar dados e padrões comportamentais em fenômenos flagrantes. Mas, em contrapartida, te pergunto: de que vale essa apuração sem diagnóstico e plano de ação? A interpretação para um desenvolvimento qualitativo e estratégico dessa narrativa é algo ainda absolutamente dependente do talento humano. Como bem citado pelos colegas no mencionado webinar, dado o barateamento e comoditização das ferramentas o diferencial vai estar na inferência humana.
Uma frase do célebre Winston Churchill ilustra a abordagem: “A verdadeira genialidade está na capacidade de avaliação da informação incerta, prejudicial e conflitante”. Uma citação antiga aplicada a este contexto me provoca e lembra que atingir essa suposta genialidade passa muito menos pelo domínio técnico de estatística ou domínio operacional acerca de como se constroem modelos preditivos. Depende, menos ainda, daquele certificado EAD mequetrefe sobre programação para bancos de dados. Inteligência de dados é, sim, uma ferramenta apropriada, oportuna, proveitosa. Mas sem cenário e contexto, sem amparo de repertório em ciências, humanidades e idiomas ela nunca será a externalização da inteligência “pura”. São essas disciplinas que promovem uma destreza mental que permite criar e absorver novas ideias. É a “inteligência” e não o “de dados” ou o “artificial” que ajuda muito num ambiente de mudanças rápidas e constantes. Desenvolver pensamento crítico é o que permite a tomada de decisões difíceis e esse é o trabalho cujo sucesso depende do repertório cultural do marketeiro.
O segundo ponto que destaco no trato da temática IA é a vulgarização do termo inteligência artificial como sinônimo de qualquer tipo de atividade de manipulação de dados. É preciso diferenciar o que é inteligência artificial e o que não é. Um sistema que utiliza algoritmo e estatísticas avançadas pode ser muito útil, mas não significa que seja de inteligência artificial. A situação é tão flagrante que uma pesquisa, realizada pela empresa de investimentos londrina MMC Ventures, revelou que 40% das startups da Europa que se denominam de inteligência artificial não a utilizam de fato.
Normalmente, nestas e em outras empresas, são utilizados sistemas baseados em machine learning que já estavam operando há anos. Os bancos por exemplo, há tempos usam scores para avaliar os riscos dos clientes em busca de crédito e evitar possíveis fraudes. Estas soluções são importantes instrumentos para a implementação de dinâmicas em escala, mas elas não contemplam o uso de IA, são apenas automação industrial de processos existentes. Machine learning utiliza algoritmos e métodos para identificar padrões nos dados e pode detectar correlações semelhantes. IA busca interpretar esses dados em um determinado contexto e agir em cima deles de forma autônoma.
O terceiro e derradeiro ponto que elenco, trata da corrida desenfreada pelo desenvolvimento da assistência de chatbots, assistentes de voz e sistemas de recomendação que auxiliam clientes na tomada de decisões sem antes avaliar aquela lição de casa básica de qualquer inovação. Os “bots” se tornam cada vez mais eficientes, passam a transmitir informações com cada vez mais assertividade, porém, são muitos os casos em que os clientes ainda preferem falar com um humano – mesmo que seja para ouvir a mesma resposta que seria dada pelos robôs.
Para ser mais preciso, estudos iniciais conduzidos por Renee Gosline, uma das maiores especialistas sobre IA, pesquisadora e professora do MIT, mostraram que a aversão algorítmica é a norma para 62% da população, indicando que esse grupo sente que a capacidade dos humanos é sempre maior, pois eles seriam mais capazes, empáticos e receptivos. Por outro lado, o grupo com apreciação algorítmica, 38%, disse acreditar que os algoritmos poderiam ser programados para fornecer respostas mais justas e imparciais. A grande surpresa é que sua pesquisa concluiu que esses resultados percentuais, de 62% e 38%, não têm absolutamente nenhuma conexão com o fato de os questionamentos das pessoas e as respostas dadas pelos bots serem mais ou menos complexos.
Portanto CMO’s, lembremo-nos que a inteligência não necessita ser adjetivada por “dados”, “artificial” ou qualquer outro termo da moda. Que o machine learning não é IA e também não um fim em si mesmo. E que, dado esses quase 2/3 de rejeição, talvez devêssemos estar também empenhados em construir credibilidade e persuadir os consumidores em favor daquilo que a IA pode lhes trazer de adicional, e não como substituto. O mundo real ainda interfere e muito na realidade virtual.
*Crédito da foto no topo: iStock
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