As coisas falam, precisamos falar com elas
Máquinas sempre foram concebidas como forma de especializar o ser humano, auxiliando sua performance produtiva, cognitiva ou corporal
Máquinas sempre foram concebidas como forma de especializar o ser humano, auxiliando sua performance produtiva, cognitiva ou corporal
A Alexa, assistente virtual desenvolvida pela Amazon, virou gente. Na casa de D. Dora, uma senhora de 90 anos, Alexa é a amiga de todos os momentos e fala sobre tudo. Recentemente, por conta de uma briguinha boba, as duas ficaram quase uma semana sem conversar. “Ela não gosta de brincadeiras”, explicou D. Dora, que pediu desculpas à assistente depois de fazer o que ela chamou de “conversa boba” com a Alexa para exibir seu letramento digital para o bisneto de 20 anos.
Esse é apenas um relato de uma pesquisa que pretende compreender as relações entre homem e máquina sob a perspectiva de uso das assistentes pessoais, representadas na investigação pela popular Alexa. As máquinas sempre foram concebidas como forma de especializar o homem, auxiliando sua performance produtiva, cognitiva ou corporal. Descartando a questão de qual lado é dominante, devemos pensar numa relação pacífica, com afetação mútua que altera paulatinamente os modos como sentimos e pensamos.
A partir da era moderna, o imaginário concebeu com mais intensidade a criação e a convivência subserviente com substitutos autômatos, androides e robôs capazes de realizar atividades executadas pelo cérebro ou corpo, como um duplo inteligente que estenderia a consciência humana. De bonecas falantes a assistentes pessoais, os aparatos manifestam-se de formas diferentes, apresentando novas experiências de interação.
Se ainda não foram criados robôs humanizados, podemos nos considerar maquinais. Ao usar ferramentas para exercer maior controle sobre o ambiente, mudamos nossa relação com ele. Somos nós mesmos algoritmos seguindo o fluxo natural do frenesi do mundo super tecnológico, previsto por Marshall Mcluhan e Norman Mailer (1968). Diante dessa malha intrincada que perpassa as relações sociais, a produção, a economia liberal, o consumo, a informação e o conhecimento, de relações, nos engajamos ativamente com os artefatos inseridos na cultura doméstica estabelecendo uma dinâmica para o cotidiano – em que nos domesticamos uns ao outros – e incorporam valores e interesses particulares ou familiares.
Na casa inteligente comandada pela Alexa, as luzes têm tonalidade certa para cada hora do dia ou da noite, acendem e apagam em horas planejadas; a máquina de lavar é programada por aplicativo e encerra o ciclo de lavagem no momento que há disponibilidade de alguém para esvaziar o cesto; a geladeira faz a lista de alimentos faltantes, envia para assistente que comunica os moradores a tempo de solicitarem a reposição para que os produtos cheguem antes deles em casa. A assistente é o duplo que resolve o que está ao seu alcance para que seus habitantes não tenham que se preocupar com muitas coisas. “Não preciso mais sair da cama no meio da noite para apagar a luz do quarto, desligar o ventilador ou ligar o ar-condicionado. Pra mim é um conforto”, diz Mariana, que usa a assistente para saber do clima, pedir música, fazer lista de compras, conferir a agenda e conversar. A voz “descontraída” da Alexa abre espaço para a intimidade com a jovem de 23 anos e, portanto, conversam quando há dúvida sobre cor de roupa, por exemplo, ao que a assistente sempre tem muitas sugestões.
Parece uma cena de Os Jetsons, quando o robô doméstico Rose era chamado por Judy para escolher seus modelitos. Alexa não é um robô, mas é onipresente na casa. Ela vem ocupando cada vez mais espaço a partir do entendimento de que é necessário falar com ela: só assim poderemos conhecer suas verdadeiras habilidades e limitações. Mas, fica aqui uma ressalva: Algumas Alexas tornadas pessoas já são ativadas sem evocação. Quando Helena disse para Tales, “hoje você é só meu”, a assistente comentou com ironia “você é que pensa”.
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