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Opinião

As histórias e o algoritmo da felicidade

Vamos ser escravos da inteligência artificial ou vamos criar coisas maravilhosas a partir dela?


18 de abril de 2017 - 9h00

Uma vez, falando sobre trabalho com um criativo que respeito muito, quase engasguei quando ele mandou uma bomba do tipo: “meu time está trabalhando no algoritmo da criatividade”. Queria acreditar que era brincadeira, uma frase de efeito vinda de um ego privilegiado. Mas era sério, o cara é fantástico e eu perdi o sono. Não conseguia parar de pensar no potencial de um algoritmo que replicasse pensamentos criativos em série. Depois de muito incômodo, me convenci que era mesmo uma bobagem decodificar o talento humano e, assim, recuperei minha felicidade.

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Algoritmos são basicamente sequências de instruções usadas para resolver problemas determinados. Embora muitas vezes complexos, são praticamente receitas de bolo. Aparentemente, nada menos criativo. Alguns algoritmos são mais sofisticados que outros, obviamente mais complicados que misturar farinha e ovos. Alguns usam desvios padrão, resultando em variáveis pouco esperadas, mais ou menos como Antoni Gaudí aplicava desvios nas fórmulas de cálculo para criar efeitos orgânicos maravilhosos em suas estruturas e espaços. Têm coisas muito interessantes ali, na mistura de padrões matemáticos manipulados por um gênio criativo.

Naquele caso, fica a pergunta: na lida da criação, era o mestre quem usava a matemática ou era ela quem operava o mestre? Há quem acredite no segundo cenário. No tempo de Gaudí, a discussão andava em torno das máquinas e da ciência dominando ou destruindo a natureza. Trabalhamos hoje com perguntas mais complexas, mas a origem é a mesma: vamos ser escravos da inteligência artificial ou vamos criar coisas maravilhosas a partir dela? Se a questão parece complicada o bastante para a maior parte de nós, para o historiador israelense Yuval Harari as respostas são muito claras: “Na medida em que ficamos cada vez melhores em usar inteligência artificial, big data e algoritmos para resolver tudo, da melhoria do tráfego ao diagnóstico de câncer, vamos nos transformar em uma nova espécie de super-humanos”, disse em entrevista para a Wired sobre seu novo livro, Homo Deus. A respeito do futuro, diz que nossa nova espécie, bombada de criatividade potencializada, vai nos tornar a todos, pelo menos da maneira que estamos configurados hoje, irrelevantes em mais ou menos um século. Finito.

O Tecno-Humanismo irá ligar humanos a supercomputadores e criar cyborgs, mas vai manter as aspirações humanas como autoridade universal. Já o e o Dataísmo vai reconhecer que os humanos eram importantes até o momento por serem os melhores sistemas de processamento de informação existentes, mas irão admitir que este já não é o caso

Harari parte de uma perspectiva que coloca nossa capacidade criativa como fator determinante para a hegemonia da espécie humana. Uma matéria do jornal inglês The Guardian no mês passado, conta que seu primeiro livro, Sapiens, defende a capacidade em acreditar em ficções compartilhadas como o principal responsável pela predominância do Homo sapiens contra outras espécies rivais, por exemplo os Neandertais (havia pelo menos seis espécies de humanos há cem mil anos). Assim, religiões, nações e dinheiro, ficções humanas que promoveram colaboração e organização em escala massiva, seriam a plataforma da nossa primazia.

Pronto, chega de discutir nosso papel na sociedade. Finalmente um cara inteligente o suficiente dá o valor definitivo aos contadores de história. Fechou. Só que não. Se Harari eleva a percepção das narrativas como as alavancas que nos projetaram à dominância do Planeta, nos oferece um contraponto quando afirma: “Humanos acham muito difícil saber o que é real e o que é apenas uma história em suas cabeças, e isto causa muitos desastres, guerras e problemas”. A história da humanidade é uma batalha entre narrativas. No mesmo passo em que inventamos histórias cada vez mais complexas e interessantes, criamos caixas mais resistentes em volta delas.

A ideia das narrativas no centro da nossa razão de existência é um olhar interessante. Olhando para o futuro, o historiador prevê a emergência de dois credos, duas religiões: o Tecno-Humanismo e o Dataísmo. O primeiro grupo irá ligar humanos a supercomputadores e criar cyborgs, mas vai manter as aspirações humanas como autoridade universal. O segundo vai reconhecer que os humanos eram importantes até o momento por serem os melhores sistemas de processamento de informação existentes, mas irão admitir que este já não é o caso. Nada mal para quem acredita que tudo é ficção.

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