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Opinião

As lições do Oasis sobre a experiência do consumidor

Polêmica sobre a precificação dinâmica da Ticketmaster para venda de ingressos no Reino Unido abre debate para questões como escassez, transparência e fãs moderados por algoritmos


7 de outubro de 2024 - 6h00

(Alberto Pezzali/NurPhoto via Getty Images)

Um mês após o anúncio da volta do Oasis, depois de 15 anos fora dos palcos, a banda dos irmãos Noel e Liam Gallagher se viu diante de mais uma polêmica. Desta vez, diferente das brigas que marcaram sua separação, em 2009, a controvérsia agora envolve a compra dos ingressos para ver a turnê, marcada para 2025, que pareceu ainda mais improvável do que a reunião da banda.

Isso porque graças à estrutura dinâmica de preços da Ticketmaster, que aumenta o custo dos ingressos quando há muita demanda, alguns fãs precisaram desembolsar centenas de libras esterlinas a mais do que o preço inicial do ingresso para ver o Oasis tocar novamente. Quando os ingressos foram colocados à venda para as datas dos shows na Inglaterra e Irlanda, alguns ingressos que custavam inicialmente £ 150 (algo em torno de R$ 1.080) mais que dobraram de preço chegando a £ 350 (cerca de R$ 2.520).

No início da semana passada, o Oasis anunciou que expandiria sua turnê com apresentações na América do Norte, mas, ao contrário dos fãs do Reino Unido, as pessoas que irão comprar ingressos para shows na região não terão que lidar com o difamado sistema dinâmico de preços.

“Quando uma demanda sem precedentes por ingressos é combinada com uma tecnologia que não consegue lidar com essa demanda, se torna menos eficaz e pode levar a uma experiência inaceitável para os fãs”, disse a banda em comunicado, com ao menos um mês de atraso.

De acordo com reportagem do site Tech Crunch, os artistas podem optar por não participar da precificação dinâmica, mas em alguns casos, o problema com o recurso não se torna aparente até que seja tarde demais. Essa modalidade se tornou tão detestada entre os fãs de música que a Ticketmaster está enfrentando investigações nos Estados Unidos e no Reino Unido. Trinta e nove procuradores-gerais estaduais nos EUA processaram a Live Nation-Ticketmaster por práticas anticompetitivas — o conglomerado controla a maioria das vendas de ingressos e reservas de locais nos Estados Unidos, o que os legisladores argumentam que sufocou a concorrência.

A Ticketmaster alega que a precificação dinâmica visa dissuadir cambistas de comprar ingressos com o propósito de vendê-los mais tarde. Ao aumentar os preços, no entanto, os cambistas permanecem inabaláveis, e os fãs ainda acabam tendo que pagar preços mais altos para ver o show.

A dura realidade é que os fãs do Oasis receberam uma lição prática sobre como o capitalismo funciona. A precificação dinâmica, sob a qual as empresas ajustam seus preços de forma flexível com base nas condições atuais do mercado, é utilizada em diversos setores, como companhias aéreas, hotéis e empresas de transporte via aplicativo.

Uma investigação sobre como a precificação dinâmica foi usada para alocar ingressos para os shows do Oasis foi lançada pela Competition and Markets Authority (CMA), uma espécie de Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) da Inglaterra. O episódio traz algumas lições interessantes sobre experiência do consumidor:

1. Lidando com a escassez: Independentemente de a precificação dinâmica ter sido usada ou não, muitos fãs teriam ficado decepcionados. Isso porque a demanda pelos shows foi maior do que a oferta de ingressos. O Oasis tem uma grande e leal base de fãs. A banda não toca junta desde 2009. Dada a relação muitas vezes difícil entre Liam e Noel, deve haver um risco de que os shows do ano que vem nunca se repitam. A demanda sempre foi enorme. Por outro lado, a oferta foi limitada pelo número de shows que a banda concordou em fazer. Mais duas apresentações foram adicionadas à turnê como resultado do furor inicial, mesmo assim nunca haveria ingressos suficientes para todos. Uma das primeiras coisas que qualquer aluno de economia do nível A aprende é que os preços são definidos pela interação entre demanda e oferta. Se a demanda exceder a oferta, uma de duas coisas acontece: ou a oferta aumenta ou os preços aumentam.

2. Comunicação e transparência: A legislação local dos direitos do consumidor é clara: os sites de venda de ingressos devem ser transparentes em suas negociações com os consumidores e fornecerem informações claras e precisas sobre o preço que as pessoas têm que pagar. Não fazer isso pode violar a lei. A investigação da CMA está neste momento ouvindo os fãs que se sentiram lesados, justamente para verificar se eles sabiam desse sistema ao se disporem a ficar horas na fila online e se receberam informações sobre o preço que pagariam ao passar pelo processo de compra de ingressos e, principalmente, antes de chegarem ao caixa.

3. Fãs moderados por algoritmos: a palavra “fã” vem do inglês “fan”, forma reduzida de “fanatic”, traduzido para fanático. Isto é, ser fã vai além de apenas ter uma grande admiração por algo ou alguém, ser fã é defender suas paixões e não conter esforço para expressá-las e disseminá-las. A plataformizacão do mundo amplificou esse fenômeno criando a cultura da convergência, termo cunhado por Henry Jenkins, em seu livro de mesmo nome lançado em 2008. Comprar passagens aéreas, pedir um carro para o transporte do dia a dia ou reservar hotéis são atividades corriqueiras sobre as quais temos uma relacão meramente transacional. No entanto, quando se fala de comprar ingressos para assistir ao show de uma de suas bandas favoritas que estava separada havia 15 anos, o contexto e a predisposicão emocional em torno dessa experiência muda completamente de contexto e ganha outros contornos. Foi o que aconteceu com os fãs britânicos do Oasis, chamuscando uma mística que une fãs a artistas.

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