As métricas e a desconfiança do mercado
Uma organização é capaz de medir o desempenho de seu produto ou serviço de forma isenta?
Uma organização é capaz de medir o desempenho de seu produto ou serviço de forma isenta?
A convergência entre mídia e tecnologia possibilita medir comportamentos que eram difíceis de serem mensurados, como o boca a boca sobre uma marca. Mas, por mais sofisticadas que possam ser as construções lógico-matemáticas por trás dos números, seu sucesso é dependente de dois fatores: a economia e a confiança.
A questão ganhou destaque na semana passada, quando o mercado se deu conta do impacto de um aviso que apareceu na página para anunciantes do Facebook, alertando para uma “discrepância” entre a definição do indicador “tempo médio de consumo de vídeo” e a maneira como ele é calculado. O erro é relativamente simples (a rede social contabilizava o tempo total em que os vídeos eram vistos, mas dividia esse número somente pelo total de pessoas que assistiam por mais de três segundos), mas seu impacto é grande: uma sobre-estimativa de 60% a 80% do tempo de consumo.
Entre as diversas conclusões e explicações para a adoção de novas tecnologias entre organizações e consumidores (são pelo menos seis grandes modelos), aparecem dois pontos em comum: a percepção de utilidade e a percepção de facilidade de uso/adoção. No caso das empresas, a percepção de utilidade está diretamente relacionada com as métricas de desempenho. Quando o mercado questiona os números entregues por redes sociais ou outros veículos, o que está em ação é a desconfiança de que uma organização seja capaz de medir o desempenho de seu produto ou serviço de forma isenta, e o desconhecimento de como atrelar esta medida com o resultado financeiro do anunciante.
Ambos fatores estão presentes neste caso: dúvidas sobre a isenção do Facebook em abrir a “caixa-preta” de produção dos seus indicadores de desempenho, e uma dificuldade em estabelecer relações de causa-efeito entre a métrica e o resultado esperado pelo anunciante.
Curiosamente, o problema ecoa o que aconteceu no início da medição de audiência do rádio nos Estados Unidos. Naquela época as emissoras utilizavam o número de cartas que recebiam, registrado pelo Correio, como um argumento para convencer os anunciantes. Com o aumento do volume de investimentos, os clientes passaram a exigir métodos científicos para medir a audiência através de organizações isentas.
Um dos fatos interessantes é que algumas discrepâncias eram devidas não somente ao formato (algumas empresas perguntavam sobre os programas que o respondente tinha ouvido ontem, outras sobre que programa estava ouvindo no momento), mas também a detalhes banais: deixar o telefone tocar quatro vezes antes de classificar o domicílio como “não-ouvinte” ou esperar até o sexto toque podia gerar uma diferença de 50% entre os ratings de uma mesma rádio.
A tecnologia de mensuração só se sofisticou no início dos anos 40, com o lançamento do audímetro, um aparelho desenvolvido por um estudante do MIT que registrava em fitas de papel as movimentações do dial dos receptores de rádio. A patente foi comprada por um engenheiro elétrico chamado Arthur C. Nielsen e o resto é história.
Mercados são estruturas sociais baseadas em trocas financeiras, informação e confiança. Quanto maior a transparência, melhor o seu funcionamento. Enquanto as plataformas tecnológicas dependerem de outras organizações para sobreviver, não podem confiar somente na “racionalidade dos números” (esta é discussão para outro artigo) para vender seu produto. Se a história é boa conselheira, não espere que um único instituto, veículo ou empresa de software vá conseguir criar métricas “únicas”, “completas” ou “isentas”. Este é um consenso que vai emergir da interação entre método científico, mercado e entidades reguladoras. Costuma demorar.
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