As perguntas certas
Infelizmente, a ABA hoje não discute como melhorar os investimentos de marketing, e, sim, as melhores formas de apurar financeiramente sua compra de comunicação
Infelizmente, a ABA hoje não discute como melhorar os investimentos de marketing, e, sim, as melhores formas de apurar financeiramente sua compra de comunicação
26 de novembro de 2021 - 16h21
Tive uma surpresa ao me deparar com a matéria “ABA defende contratação de agências especialistas em mídia”. Lendo a notícia, fica evidente que é mais do que isso. Mas, acertadamente, o título da matéria trata de um ponto sensível do manual lançado pela ABA, o de propor os tais especialistas. E no mesmo momento que fazia a leitura do texto, recebi um comentário de um amigo dizendo: “querem separar advertising de mídia buying”. A leitura dele está correta.
A minha pergunta é “o que é mídia buying, nos dias de hoje?” É cada vez mais difícil responder isso. Quem monitora performance? Quem administra conteúdo e influencers? Até onde podemos separar a administração de conteúdos e a criação dos mesmos? Ter o pulso sobre detalhes da compra pode ajudar na definição do que desenvolver criativamente? E a mídia tradicional, ainda é tradicional? Desenvolver uma ação de product placement, com comerciais integrados, com interação com o público, é algo que pode ser dividido em compra e criação? DOOH é cada vez mais inteligente. A mensagem pode ser alternada por diferentes questões, como clima, trânsito, geolocalização e outras que ainda serão descobertas. Até cheiro e interação com o transeunte pode ser considerado. Então? Quem vai melhor administrar isso? Quem só compra ou quem só cria? Para todos os meios, esta questão se repetirá.
O fato é que a própria compra está cada vez mais estratégica. Precisa ser mais criativa e mais articulada com todos os demais aspectos de uma ação. Não me parece que esta questão esteja assim facilmente resolvida no mundo. Nem acho que a afirmação “é assim em todo mundo” seja verdadeira ou perene. Alguns dos principais compradores de mídia internacionais estão incorporando criativos em seus times, o que os acaba transformando em full service. Está cada vez mais complexo decidir o quê, como, quando, com quem e onde comunicar. Ter a ABA simplesmente insinuando que “o melhor é assim” demonstra o quão anacrônica esta recomendação é. E que a busca de soluções simplistas, como tentativa de melhorar a rentabilidade na compra de comunicação, pode ser risível. É um espanto pensar que pessoas inteligentes e preparadas realmente proponham algo tão estreito para desafios tão complexos, de forma tão míope. Não é à toa que a mídia é cada vez menos mídia, e cada vez mais conexão.
Construir e manter conexões relevantes é a grande e complexa tarefa de quem quer estabelecer intimidade de suas marcas com seus públicos. E isso não se resolve separando fatias da estratégia. Quando a Havas mostrou ao mundo, através de importante rodada de pesquisa, que 74% das marcas poderiam acabar que não fariam falta, o recado claro era: só 26% das empresas estão trabalhando direito. E isto ocorre porque é difícil mesmo. Acreditar que a solução começa por uma separação entre compra e criação é de uma ingenuidade inacreditável. A pergunta que precede esta recomendação realmente é a do começo deste pensamento: o que é “midia buying”? Aparentemente, 74% dos anunciantes do mundo não sabem responder ou nem se fizeram esta pergunta.
Existem outros pontos destas recomendações da ABA que merecem reflexão. Por exemplo, a recomendação de um ambiente livre e neutro para a discussão dos problemas. Ora, ao sair do CENP, a ABA abriu mão de reconstruir este ambiente, onde estão todos os stakeholders relevantes. Ao fazer recomendações neste manual, ela tenta estimular um ambiente fortemente influenciado pelo poder econômico dos grandes anunciantes, notadamente multinacionais. E isto é a antítese de um ambiente neutro. Então, o que é um ambiente neutro?
Outra pergunta interessante é o que é ser anunciante? Aliás, melhor, qual a diferença entre ser anunciante e ser um profissional de marketing? O anunciante pode ser profissional de marketing. Mas pode ser advogado, pode ser RH, pode ser engenheiro, pode até ser um comprador generalista. Infelizmente, a ABA hoje não discute como melhorar os investimentos de marketing, e, sim, as melhores formas de apurar financeiramente sua compra de comunicação. Isto é, hoje a ABA pode ser considerada uma entidade de apoio aos procurements dos clientes.
Não sei se alguém, na ABA, se fez uma outra pergunta sensível: quem vai pagar a criação e a estratégia que hoje as agências entregam como parte do pacote completo que negociam com os clientes?
Não tenho todas respostas. Pelo visto, nem a ABA.
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