As redações pós-Covid
Se um impresso apenas com notícias não faz mais sentido, uma edição bem cuidada, com muito valor agregado, ainda tem enorme valor
Se um impresso apenas com notícias não faz mais sentido, uma edição bem cuidada, com muito valor agregado, ainda tem enorme valor
A tragédia da Covid-19 ainda não chegou ao fim e, lamentavelmente, deverá matar muita gente nos próximos dias, semanas, meses. Pensar em 500 mil mortos no Brasil em pouco tempo já não é um absurdo, algo impossível de se chegar.
Em paralelo à matança, o jornalismo deverá no futuro revisar seu papel fundamental para a sociedade. Foi um consórcio de meios de comunicação, por exemplo, que garantiu com que as estatísticas da doença no Brasil tivessem um pouco mais de confiabilidade, já que os órgãos oficiais tentavam burlar a matemática e maquiar os números. Foi o bom jornalismo que descobriu problemas em contratos com indústrias farmacêuticas para a compra de vacinas, que levantou escândalos de desvios de recursos emergenciais, que mostrou ao país o nível de despreparo das autoridades governamentais para a gestão do combate ao coronavírus.
A pandemia, porém, ensinou aos meios de comunicação que um dos dogmas do jornalismo já se alterou: a necessidade de enormes redações, muita gente junta. Aquele antigo gigantesco espaço em que jornalistas se aglomeravam acabou. Redações já foram importantes por oferecerem aos repórteres e editores a tecnologia necessária e disponível na época. Primeiro o telefone, logo a máquina de escrever. Depois, os computadores, a assinatura de canais por pagamento e uma boa rede wifi. Hoje nada disso é condição – e o isolamento social provou.
Mas as redações ainda são necessárias para um valor insubstituível, que – por tabela – já desapareceu de alguns ambientes de trabalho: a troca de ideias. No jornalismo contemporâneo o valor está na criatividade, no “complicar a notícia”. O fato, por si, já não basta. Mas a discussão sobre causas, consequências e explicações é o valor desejado pela audiência, aquilo pelo que se paga. Se um impresso apenas com notícias não faz mais sentido, uma edição bem cuidada, com muito valor agregado, ainda tem enorme valor. O problema é preparar essa edição. Só com muita conversa. Para isso serve a redação.
Alguns jornais já anunciam mudanças. O grupo britânico Reach, por exemplo, que edita os jornais Daily Mirror, Daily Star, Scottish Sunday Mail e Express, entre outros, anunciou que vai fechar a grande maioria das redações locais na Inglaterra, Escócia e Irlanda, e que 75% dos jornalistas trabalharão para sempre em home office. O Miami Herald fechou a moderna redação inaugurada há menos de 10 anos e, depois da pandemia, vai utilizar um espaço menor, mais central, incentivando sua equipe a ficar em casa. The Chicago Tribune vai copiar o modelo do Herald e também diminuir a redação.
A tecnologia, portanto, virou uma aliada das empresas de comunicação. A economia com espaço físico poderá poupar algumas cabeças que, virtualmente, rolariam – por problemas de fechamento do caixa. Os líderes das redações deveriam aproveitar o momento de mudança obrigatória de comportamento presencial para repensar os fluxos, as necessidades de concentração de jornalistas, principalmente reorganizando horários, encontros e presenças em função das entregas pretendidas – sempre de acordo com os desejos das audiências. É hora de quebrar regras históricas.
A redação pós-Covid será menor. Concentrada na hora de discutir pautas, vazia nos fechamentos – ao contrário do que se convencionou. O repórter não precisa escrever no computador da redação: desenvolve o texto em casa, em um café, qualquer lugar, e publica online a partir de sua localização – ou envia para o editor para a edição impressa.
A redação pós-Covid será diferente. E o melhor momento para pensar em seu funcionamento é agora, quando a pandemia ainda obriga profissionais a mudarem seus hábitos.
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