8 de janeiro de 2018 - 14h13
Na origem da proliferação e velocidade de disseminação das fake news existem dois fenômenos distintos: um de natureza psicológico-individual e outro de natureza socioeconômica. O problema em si não é novo (para ficar no exemplo mais famoso: a transmissão radiofônica da Guerra dos Mundos, em 1938), mas é potencializado pelo avanço das tecnologias digitais.
Em um texto antológico sobre como as empresas de tabaco fizeram para prosperar durante 40 anos apesar das evidências massacrantes que fumar causa câncer, Tim Harford, colunista de economia do Financial Times, aponta três problemas com a ideia de que as pessoas se deixam convencer pelos fatos: mentiras simples são mais fáceis de lembrar que verdades complexas, em um mundo cheio de coisas interessantes fatos podem ser chatos e, por fim, a verdade pode ser ameaçadora (pense, por exemplo, no estado das contas públicas brasileiras).
Esses três princípios estão na raiz da popularidade das chamadas “fake news”, mas não explicam o fenômeno como um todo. A economia também tem um papel importante. Boa parte dos sites que inicialmente promoveram notícias falsas era criada por jovens em outros países atrás do dinheiro dos anunciantes interessados em atingir o público americano via rede de publicidade do Google e Facebook. A audiência desses sites chamou a atenção dos estrategistas da campanha de Trump, que passaram a se utilizar de técnicas sofisticadas de personalização e clusterização para gerar conteúdo específico para este público.
Para além das óbvias consequências político-eleitorais, o problema também afeta os veículos da “mídia clássica” (na definição do Caio Tulio Costa, as marcas de mídia que existiam antes da web e que utilizam o digital como mais um canal para a distribuição do seu conteúdo) e mesmo empresas que se estabeleceram mais recentemente. A questão fundamental, do ponto de vista do negócio, é se as empresas de mídia serão capazes de manter ou aumentar sua credibilidade e, atingindo esse objetivo, se serão capazes de rentabilizar esse diferencial junto aos anunciantes.
A maior ameaça é que, diante de tantos questionamentos sobre cada notícia, as pessoas simplesmente deixem de consumi-las. Um estudo do Reuters Institute mostrou que em alguns países (Turquia, Grécia) mais de 50% dos entrevistados evitam as chamadas hard-news (política, economia). No Brasil esse número foi de 27%. Nesse cenário, vamos ver a audiência diminuir ainda mais, com consequências dramáticas para empresas já combalidas pelo crescimento do duopólio digital e a mais longa recessão na história do País.
No lado oposto, podemos verificar um fenômeno similar ao que aconteceu com alguns veículos nos EUA: um aumento no número de assinantes e no compartilhamento de seu conteúdo, “chancelado” pela sua credibilidade. A má notícia é que o aumento da receita de assinaturas não foi suficiente para cobrir o declínio da receita publicitária. Aparentemente, a credibilidade do conteúdo ajuda a abrir portas nas agências, mas não no bolso dos anunciantes, pressionados por um ativismo crescente dos acionistas e a desconfiança nos números entregues por alguns meios, tema que já foi objeto de inúmeras matérias e debates aqui mesmo no Meio & Mensagem.
Independentemente do resultado final, talvez a melhor aposta das empresas de mídia para capitalizar a “escassez de credibilidade” seja diminuir a variedade dos temas cobertos, reconhecendo que em termos de amplitude e velocidade as redes sociais digitais e os blogueiros especializados são imbatíveis, e investir mais na profundidade da cobertura e na identificação de como elas podem disseminar seu conteúdo nessas redes. Há mais de uma década tive oportunidade de apontar, juntamente com o Clovis de Barros Filho e o Vladimir Safatle, como a batalha eleitoral nas redes sociais era impulsionada em parte pelas convicções políticas, em parte pela necessidade de demonstrar para os grupos de referência que a pessoa que compartilha conteúdo é “antenada”. Sob este aspecto, o já citado trabalho do Reuters Institute traz um alento para nós: brasileiros e chilenos são os campeões mundiais em compartilhar notícias pelas redes sociais. Os veículos que conseguirem conciliar essas tendências em um pacote comercial bem amarrado e fundamentando certamente serão os que vão triunfar em um ano que promete muita agitação.