25 de abril de 2025 - 6h00
Nos últimos anos, muitas marcas incorporaram pautas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) em seus discursos e posicionamentos. No entanto, diante de mudanças e pressões externas, algumas estão recuando, cortando investimentos e até descontinuando iniciativas. Isso levanta uma questão essencial: por que valores que deveriam ser naturais e inegociáveis ainda são tratados como moeda de troca?
Construir uma marca forte não é seguir tendências passageiras. Branding é um compromisso de longo prazo, sustentado pela consistência e pela autenticidade. Se uma empresa escolhe abraçar a diversidade, essa decisão precisa estar enraizada em sua cultura, e não apenas em estratégias de marketing que se desfazem ao sinal de turbulência. Ceder à pressão não é apenas um erro estratégico — é uma ruptura de confiança difícil de remediar.
A Dove é um exemplo que segue na contramão desse retrocesso. Sua campanha The Dove Code desafia os padrões de beleza reforçados por imagens geradas por Inteligência Artificial. Ao inserir a frase “according to Dove Real Beauty Ad” nos prompts dessas ferramentas, os resultados passam a refletir mulheres reais, diversas e autênticas. A marca, que há 20 anos promove o conceito de Beleza Real, não apenas reafirma seu compromisso com a diversidade, mas insere essa perspectiva na tecnologia, influenciando ativamente a maneira como a beleza é representada no futuro.
Mas, mesmo que algumas empresas hesitam em reconhecer a importância de normalizar aquilo que já deveria ser parte do cotidiano, podemos sempre contar com a arte. A cultura avança na direção da inclusão, independentemente das decisões corporativas.
“Tudo o que eu quero ver é apenas a beleza. E beleza não significa que você tenha que sorrir, mostrar os dentes ou se esforçar mais. Basta existir”. Essas palavras da artista e ativista sul-africana Zanele Muholi ecoam em uma das paredes do Instituto Moreira Salles (IMS), onde sua exposição Beleza Valente destaca aqueles que costumam ser relegados à margem. Sua obra não apenas celebra a beleza da diversidade, mas a reivindica como um ato de coragem, um testemunho de que existir, em si, é resistência.
Quando a publicidade abraçou campanhas de diversidade, seu papel foi crucial para tornar visível o que por muito tempo foi invisibilizado. Mas acho importante enfatizar que as marcas não estão criando um discurso extraordinário — estão apenas refletindo a realidade.
O recuo recente de algumas delas não é apenas um erro estratégico, como uma renúncia à própria humanidade.
Movimentos de inclusão não deveriam ser tratados como gestos ousados ou heróicos. Talvez tenha sido esse excesso de enaltecimento que fez com que as empresas atribuíssem um peso — e um preço — maior às iniciativas de DEI, elevando também suas expectativas em relação aos KPIs. No entanto, representar diferentes corpos, identidades e histórias não é uma inovação; é apenas reconhecer a diversidade do mundo real.
No Brasil, essa onda de inversão de valores soa ainda mais artificial. Somos um país plural por essência. A diversidade está em nossa identidade, em nossa cultura, no nosso dia a dia. Então por que algumas empresas ainda insistem em tratar isso como uma concessão e não como um reflexo natural da sociedade?
É muito mais do que simplesmente seguir a maré. O verdadeiro impacto do branding não reside em campanhas sazonais ou momentos de destaque, mas na consistência de sustentar valores ao longo do tempo, independentemente das marés e tempestades do cenário externo.
Para que isso aconteça, é preciso escutar as pessoas. Sair do escritório, observar, entender como diferentes públicos querem ser representados. Especialmente em um cenário que ainda falta maior diversidade nos times de criação e decisão, o risco de reproduzir um discurso enviesado é enorme.
Nos grandes festivais de comunicação, vemos estudos que escancaram essas falhas, mas será que estamos aprendendo com eles? As empresas que agora voltam atrás em suas promessas de inclusão podem, no futuro, enfrentar um desafio ainda maior: reconquistar a credibilidade e a lealdade de um público que valoriza marcas genuínas. Em tempos de crise ou mudanças políticas, a solução não é abandonar princípios, mas reafirmá-los com inteligência e estratégia.
Branding não é sobre sempre seguir a correnteza. É sobre saber onde se quer chegar — e ter coragem de manter o rumo.