Branding não é só brandbook
Fazer com que a marca seja compreendida através de produtos, serviços, atendimento e comunicação é a outra metade do trabalho
Fazer com que a marca seja compreendida através de produtos, serviços, atendimento e comunicação é a outra metade do trabalho
O destaque do branding como uma disciplina relevante nos últimos anos tem gerado boas reflexões em espaços que vão desde o Festival de Cannes e os webinars da WARC até discussões em perfis do LinkedIn de pequenos empresários ou profissionais liberais; da Wolff Olins ao Canva. É bacana que o tema seja global e local, ocupando fóruns gigantes e pequenas rodas de conversa profissionais. Demonstra relevância e universalidade.
Mas é uma pena que a maioria dessas conversas seja principalmente sobre identidade visual, logotipia, quando muito sobre uma tagline ou um manifesto. Todos esses são elementos nucleares e estratégicos da expressão de uma marca, mas que ganham vida mesmo através de várias outras disciplinas – incluindo a publicidade. Branding que fica só no brandbook ou no vídeo manifesto não é branding. É… outra coisa. Eu nem saberia como chamar.
Essa crítica não é original e certamente ninguém sério discorda dela. Ao mesmo tempo, a discussão sobre o branding projetado versus o branding aplicado em todos os pontos de contato faz parte da história da disciplina. David Aaker e Jennifer Aaker já falavam isso nos anos 1990. Ana Couto e Marty Neumeier reforçaram nos anos 2000. Scott Galloway e Mark Ritson vêm batendo na mesma tecla mais recentemente. Porque, por mais complexo que seja projetar uma marca, isso é metade do desafio. Fazer com que a marca seja compreendida através de produtos, serviços, atendimento e comunicação é a outra metade.
Por isso, todo parceiro da marca deve se enxergar como uma empresa de branding, como se fosse a Landor, a Interbrand, a Bendito Design ou a Sweety & Co. Como líder de planejamento de uma agência, sempre falo com as equipes com as quais trabalho: somos guardiões da marca dos nossos clientes em pontos de contato onde seus criadores e gestores não podem atuar – nas campanhas offline ou online, nas redes sociais, nas réguas de CRM, na mídia de performance do e-commerce. Nós não podemos deixar o brandbook pegar pó dentro de um folder obscuro do Google Drive. Nós precisamos fazer branding todos os dias.
Nossa forma de fazer o branding deve ser transformando diretrizes estratégicas de marca em campanhas, ações e peças de comunicação que traduzam a sua voz; que se apresentem visualmente de forma a serem identificadas, mas não ignoradas; que, ao serem clicadas, vistas, assistidas ou ouvidas sejam colocadas na mesma região da mente das pessoas que o produto, serviços, atendimento ou ponto de venda. E precisamos fazer isso ao longo de anos, semana após semana, dando vida à marca sem macular as propostas originais que a tornam única, interessante e desejada.
Essa não é uma tarefa fácil na “era da mesmice”, quando a comoditização é a realidade da maior parte dos mercados, quando produtos e serviços todos se parecem e entregam propostas de valor muito similares. Dar vida ao branding no dia a dia da comunicação envolve o desafio também de não afundarmos no mar de templates, nas paletas da cor da moda e, talvez o mais difícil, nas trends de redes sociais, as celebs e os influs do momento. Esses recursos podem e devem compor o cotidiano da marca, mas na posologia errada também podem adoecê-la ou matá-la.
Tudo isso parece muito óbvio, mas também estamos na era do óbvio a ser dito. Que bom que a disciplina do branding foi resgatada. Que ela seja retomada por inteiro e não apenas nas suas abordagens mais superficiais; e que todo o ecossistema de parceiros que dá vida à marca compreenda seu papel estratégico nessa missão.
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