Branding ou custo de aquisição do cliente? Eis a questão!
O CAC é valorado na terceira casa decimal e os recursos são escassos para time, expansão, melhorias e, claro, comunicação
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14 de dezembro de 2020 - 15h25
“Your brand is what people say about you after you leave the room” (Jeff Bezos).
O ambiente de negócios dos últimos anos nunca esteve tão propício ao empreendedorismo. Uma sobra de liquidez nos mercados de capitais, a aceleração das inovações tecnológicas, a ampliação da base de smartphones e um mundo de oportunidades descortinado pela nova ordem mundial pós pandemia, se somam à uma visão glamourizada do startupeiro e ao fim do modelo “escola – universidade – emprego estável – aposentadoria”.
Quase todo mundo tem uma boa ideia para um novo app, muitas “dores” do mercado são identificadas na medida que o mundo caminha para uma vida digital, na nuvem, cada vez mais volátil, incerta, complexa e ambígua. Só para usar termos da moda. E tudo isso é muito positivo. A nossa vida se torna mais fácil, mais ágil, mais inteligente e ninguém se perde mais na cidade indo do ponto A ao ponto B, minhas fotos estão mais seguras e mais fáceis de serem acessadas do que nos álbuns da casa da minha mãe, não precisamos mais de agentes, terceiros ou facilitadores e posso ter uma conta e um cartão em um banco nos EUA sem sair do meu sofá. Mas a boa notícia mesmo é não precisar mais carregar a carteira para sair de casa.
Mas, nesse mundo novo, acredito, tem duas coisas que continuam exatamente iguais: a força de uma boa ideia e o poder de uma marca em contar histórias e diferenciar produtos.
As startups nascem para resolver uma dor, uma questão que ninguém havia pensado antes ou simplesmente para facilitar um processo. O empreendedor é aquele que coloca todas – todas mesmo – as suas fichas nessa ideia; ele acredita, ele se esforça e ele convence muita gente que vai dar certo. Sua obsessão é tão grande, e ela deve ser, que tudo o que ele consegue pensar nos primeiros momentos é em produto, tecnologia e como fazer aquele negócio parar de pé. Depois, busca montar o time perfeito para executá-la na medida em que a complexidade do negócio avança e o ambiente de negócios passa a ficar competitivo. E assim ele caminha buscando investidores para que a tese consiga ganhar escala e ele possa alimentar esse ciclo de melhorar o produto, avançar na tecnologia e trazer mais gente. Mas falta uma peça nesta esteira de produção.
Curar uma dor, por melhor e mais efetivo que seja o remédio, será sempre suficiente? O simples fato de resolver uma necessidade ou identificar uma oportunidade dispensa qualquer outra atividade, como por exemplo, a construção da sua marca?
O ciclo das empresas que nascem nesse ambiente é todo muito parecido: uma ideia ligada à uma solução tecnológica, que nasce com recursos próprios, de amigos ou familiares e que quando comprova seu funcionamento, passa a ganhar uma tese com potencial de mercado, tamanho de crescimento, hipóteses de retorno e, muitas vezes, possibilidades de venda. Esse caminho é comum, lógico e de cada 100 casos, 2 ou 3 funcionam muito bem; e alimentam os sonhos e ideias de mais 100 que virão na sequência. É um mundo fascinante, empolgante, enérgico e que vem dando certo.
Mas vejo muito pouco no modelo uma preocupação inicial dos empreendedores em colocar neste produto uma visão ou um posicionamento claro e único e, mais importante ainda, uma identidade. O branding não é uma preocupação dos primeiros anos de vida destas empresas e acredito que isso possa custar caro no futuro, caso ela venha estar naquele percentual de 2 ou 3 que seguirão firmes na tese, ou até para ajudá-las a entrar nesse seleto grupo.
Nos últimos anos, tive a oportunidade de me aproximar de vários agentes deste mundo: empreendedores, fundos de venture capital (e de private equity), consultores, investidores anjos etc. A realidade é, de fato, dura: o mundo das startups é competitivo e muito focado em análises financeiras. Qualquer dinheiro precisa ser potencializado, justificado e mensurado. O custo de aquisição do cliente (CAC), é valorado na terceira casa decimal e os recursos são escassos para formatação de time, expansão de mercados, melhorias e, claro, comunicação.
As mídias digitais, de fato, têm retorno rápido. Tudo é mensurável, “planilhável” e performático. É uma solução para ganhar alcance, afinal, são centenas de milhares (ou até milhões) de impactos para tornar estes produtos ou empresas conhecidos e testados.
Mas só isso é suficiente? Para certos fins, sim, mas as mídias de performance são apenas parte da equação. Sozinhas, não têm o poder de refletir a identidade e potência da marca, ou construir proximidade em uma narrativa envolvente. Não que estejam erradas ou não sejam necessárias, mas é preciso pensar a partir de um certo ponto no equilíbrio destes recursos. Não sou do time do 8 ou 80.
No documento S1 do Airbnb, que saiu recentemente, pré-IPO, me deparei com essa frase do fundador: “Aproximadamente 91% de todo o tráfego do Airbnb veio organicamente, através de canais não pagos ou diretamente, o que reflete a força da nossa marca…Nossa estratégia é aumentar os investimentos em branding e usar a força da nossa marca para atrair mais pessoas diretamente ou por canais orgânicos, diminuindo nossos investimentos em mídias de performance relativamente ao último ano”, ou seja, a força da marca está fazendo a diferença no IPO da empresa.
E é fato que a dor de um mercado está também na “nuvem”. Enquanto escrevo esse texto, muita gente está tendo a mesma ideia e dependendo dos mesmos fatores: acesso ao capital, velocidade de implementação, oportunidade e, por que não, sorte. Alguém vai sair na frente, mas isso não significa que os que ficaram para trás não virão em breve, e é nesta hora que começa a beleza da concorrência. Acredito que é neste momento que uma marca bem construída, com propósito de valor, storytelling forte e, acima de tudo, um posicionamento claro com uma identidade única, vai se diferenciar.
Marcas contam histórias, nos identificam com mundos e lugares, cores e cheiros, imagem e projeção. Milhares de estudos já foram feitos, o assunto não é novo e muito menos eu sou o primeiro a levantar essa bandeira, mas é fato que, ainda, nós, que acreditamos no tema, não conseguimos convencer os empreendedores a dar a devida prioridade para a marca. Convido os empreendedores, startupeiros, gestores de fundos e investidores a pensar nessa conversa e a refletirem porque seus próprios carros, relógios, bicicletas ou computadores são da marca A ou B. Vocês se darão conta que essas histórias que vocês carregam, e defendem, moram no lugar mais importante que uma marca pode querer estar: no seu coração.
Não é uma questão de dinheiro, pois acredito também que marcas se constroem com boas ideias muito mais do que com grandes verbas. É uma questão de visão, prioridade e escolhas.
*Crédito da foto no topo: Mfto/ iStock
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