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Opinião

Brasil se escreve com S

O mundo finalmente parece pronto para nos entender além dos clichês de samba, carnaval e futebol


31 de março de 2025 - 6h00

Todo o mundo está querendo conhecer a nossa batucada. O nosso funk. A nossa Clarice. O nosso Machado. A nossa Fernanda. O nosso Mandrake. O Brasil está trocando o “Z” pelo “S” e conquistando um espaço cada vez mais relevante no cenário global. A vitória de Ainda estou aqui no Oscar 2025 foi o recente ponto alto de um movimento que já vinha ganhando força há algum tempo. Um reconhecimento que reflete uma mudança estrutural no interesse global por diferentes culturas. O mundo finalmente parece pronto para nos entender além dos clichês de samba, carnaval e futebol.

O Brasil sempre foi um celeiro de talentos criativos com impacto além das fronteiras nacionais. A bossa nova, com seu ritmo sincopado e harmonias sofisticadas, influenciou diretamente o jazz norte-americano nos anos 1960, com João Gilberto e Tom Jobim colaborando com nomes como Stan Getz e Frank Sinatra. O tropicalismo de Caetano e Gil ecoou em movimentos musicais experimentais na Europa e nos EUA, enquanto o funk carioca da Deize Tigrona guiou M.I.A. em Bucky Done Gun, O Mandrake teve sua batida funk em SpaghettII da Beyoncé e, sem dúvidas, você viu o gingado do Pedro Pascal ao som de Perfect, uma parceria de Sam i & Tropkillaz com Bia e MC Pikachu, no comercial da Apple, dirigido pelo Spike Jonze.

Buscando evidências mais concretas desse movimento crescente, recorri a uma das minhas fontes para aprender sobre Brasil e música: Thiago de Souza (@canaldothiagson), professor de Música Clássica e doutor em Funk pela USP. Em um dos seus conteúdos, ele conta que a responsável pela internacionalização do funk de baile de favela é uma mulher trans dos Estados Unidos chamada Nadine Smith, que escreve para a Revista Pitchfork, referência internacional no cenário musical. Em julho de 2023, ela avaliou muito positivamente o álbum Pânico no submundo do DJ K, que o levou a fazer shows pela Europa. Em dezembro de 2023, algo similar aconteceu com o álbum Sexta dos crias, do DJ Ramon Sucesso. Em março de 2024, ela falou do álbum Queridão, do DJ Anderson do Paraíso. Trouxe visibilidade fora, mas também dentro, para esses artistas, e Thiagson não deixa de pontuar como ainda é preciso validação da Europa ou dos EUA para que a gente valorize a nossa cultura, mesmo que esses artistas já tenham seus bons milhões em audiência.

O que impediu o Brasil de ocupar um papel mais central na cultura global até então? Parte da resposta está na ausência de uma infraestrutura robusta para exportação cultural e na falta de um soft power bem articulado para o mundo, isto é, a nossa capacidade de influenciar por meio da nossa atração cultural, como música, cinema, moda, culinária e esportes podem moldar a percepção e a influência global de um país. O português, falado por uma parcela pequena do mundo, também limitou o alcance imediato de muitas expressões culturais brasileiras. Enquanto Hollywood conta com um grande sistema de estúdios e uma rede global de distribuição, o cinema brasileiro, por exemplo, opera em ciclos de investimento e crise, dificultando a construção de uma presença consistente no circuito internacional. Além disso, o Brasil frequentemente é enquadrado em estereótipos exóticos, o que reduz sua complexidade cultural e artística à imagem de um país tropical e festivo.

O cenário está mudando, e a questão da língua é um exemplo claro disso. Plataformas como YouTube e Netflix têm permitido que o público global consuma conteúdo em diferentes idiomas, diminuindo a barreira da língua, e essa experiência só vai melhorar. Séries em espanhol, como La Casa de Papel, e sucessos coreanos como os doramas, mostraram que o público está mais disposto a consumir conteúdo que não seja em inglês. A música latina está em constante crescimento global, com Anitta, Bad Bunny e Karol G virando ícones globais, quebrando barreiras linguísticas, não somente por serem artistas versáteis e autênticos, mas também por gerarem dinheiro. Quem apostou que Despacito seria só uma trend passageira, perdeu. Segundo a Associação Americana da Indústria Fonográfica (RIAA), em 2023 a música latina gerou, nos EUA, US$ 1 bilhão – 16% a mais versus 2022, chegando a representar 8% do mercado fonográfico por lá. O dado mais atual mostra que somente nos primeiros seis meses de 2024 esse valor chegou a US$ 685 milhões, crescendo 7% em relação a 2023.

O Brasil com S é criativo, original e gera dinheiro, e ainda tem uma arma secreta: o engajamento dos brasileiros. Essa é uma combinação oportuna que me leva à questão: como marcas entram nesse momento? Para tentar responder, eu fui até outra grande fonte de Brasil, a Neli Pereira (@neli_pereira), mestre em cultura brasileira, jornalista e escritora. Neli fala sobre “Brazil washing”, ou como ela mesmo brinca, “lavadinha de Brasil”, que é justamente a abordagem de quem vê somente uma oportunidade financeira para surfar a onda, uma energia bem de Odorico Paraguaçu (essa referência eu vou deixar para você pesquisar). Olhar para o Brasil com superficialidade, com pressa, sem curiosidade sobre esse lugar e suas pessoas. O pior que podemos fazer agora, é sermos exploradores da nossa cultura. Por isso Neli fala sobre a necessidade de abrasileirarmos o olhar. Agora, meus colegas, é o melhor momento para se interessar pelo Brasil. Abrasileirar o olhar vai gerar mais dinheiro, por mais tempo, se focarmos em fortalecer o nosso entorno e criar redes que sejam sustentáveis para quem está por trás delas.

Tenha curiosidade de Brasil, filme aqui no Brasil, escolha diretores brasileiros, trabalhe com artistas brasileiros além do eixo Rio-São Paulo, traga referências brasileiras, colabore e coloque o dinheiro no bolso do brasileiro – a gente sabe o quanto de dinheiro de publicidade vai parar em bolso de gringo porque alguém sonha em fazer um filme com um homem branco americano que já produziu para todas as grandes marcas do mundo, e a sua vai ser mais uma. Aposte no brasileiro. Agora tem até americano e europeu querendo Brasil, você vai querer também?

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