Cabeça a cabeça
Com mais dinheiro e acesso a melhores interlocutores nas empresas clientes, as consultorias chegam fortes ao mercado de agências. Mas a ofensiva das holdings de publicidade instala um cenário acirrado, de páreo sem favoritos
Com mais dinheiro e acesso a melhores interlocutores nas empresas clientes, as consultorias chegam fortes ao mercado de agências. Mas a ofensiva das holdings de publicidade instala um cenário acirrado, de páreo sem favoritos
Um dos assuntos mais debatidos no mercado de agências nos últimos anos é a chegada das consultorias à já acirrada disputa pelas verbas de comunicação. Do estranhamento ao desdém, as reações iniciais das holdings globais de publicidade mudaram na medida em que se viu que os novos players não estavam de brincadeira, e, mais ainda, diante da fácil constatação de que eles têm muito mais dinheiro do que os controladores habitués do setor de agências — a receita da Accenture bate US$ 40 bilhões anuais, enquanto a do WPP é metade disso. Mais ainda, com acesso ao primeiro nível de comando das grandes empresas, as consultorias entraram no ringue diante de muitas agências com relações desgastadas com os líderes de marketing e menor interlocução entre os CEOs.
Entretanto, relatório divulgado neste mês pela Forrester disseca a reação das holdings de agências e conclui que, até aqui, os grupos de publicidade foram mais bem-sucedidos em fortalecer sua capacidade de dados do que as consultorias em conquistarem reputação criativa. Os movimentos mais vistosos dessa corrida em raias paralelas são, de um lado, as compras da Acxiom pelo Interpublic (por US$ 2,3 bilhões), da Epsilon pelo Publicis Groupe (US$ 4,4 bilhões) e da Merkle pela Dentsu Aegis Network (US$ 1,5 bilhão); e, de outro, as várias aquisições feitas pela Accenture Interactive, em especial a da Droga5, estimada em US$ 475 milhões.
Entre os problemas a serem enfrentados nos próximos lances desse jogo está a estagnação no crescimento das agências criativas. A própria Droga5 amargou no ano passado a primeira queda no desempenho financeiro desde a inauguração, em 2006: a receita caiu de US$ 195,6 milhões em 2017 para US$ 169,8 milhões em 2018; e o lucro líquido, de US$ 53 milhões em 2017 para US$ 29,9 milhões em 2018.
Apesar disso, os analistas são unânimes em apontar a criatividade como tábua de salvação para as agências e redes da publicidade. E tal constatação pode significar uma mudança na organização do mercado global no futuro. Há grupos que “desvalorizaram totalmente suas agências”, colocando os interesses das holdings à frente, interferindo nas habilidades das redes e comprometendo as culturas que as diferenciavam umas das outras — o que teria ajudado a afugentar os talentos que outrora atraíam e a abrir a guarda para as consultorias. O diagnóstico é de Troy Ruhanen, CEO da TBWA Worldwide, ouvido para a reportagem, em que aponta nominalmente o WPP e o Publicis Groupe como responsáveis por esse movimento de desvalorização das marcas das agências.
Outra realidade incômoda com a qual holdings de publicidade e consultorias precisam lidar, e que deixa o contexto atual ainda mais fragmentado, é o maior controle dos anunciantes sobre suas estratégias de marketing e comunicação, num movimento que inclui a necessidade de estabelecer relações diretas com os consumidores e envolve desde a coleta de dados primários até a venda de produtos diretamente pelos fabricantes. Grandes empresas como AB InBev, Nestlé e Unilever estão não só mais envolvidas no desenvolvimento das ações, mas internalizam parte das equipes — mesmo que compostas também por profissionais das agências. Neste campo, atua a nova Draftline, house global que, no Brasil, tem foco em conteúdos da Ambev para mídia social, mas, nos Estados Unidos, estreou neste mês fazendo produção para TV, embalagem, OOH, rádio, e-mail marketing, coleta de dados e executando toda a compra de mídia da linha Michelob Ultra, da AB InBev. “Não estamos criando competição, é para fazer mais”, argumenta o CMO Marcel Marcondes, ao dizer que internalizar alguns processos pode liberar tempo e foco das agências externas.
São ingredientes que tornam mais complexo o futuro das holdings de publicidade e incerto o grau de sucesso que as consultorias terão na seara da comunicação, além de prometerem emoções imprevisíveis aos próximos capítulos.
*Crédito da foto no topo: Reprodução
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