Cabelos brancos importam
Você tem cabelos brancos há quanto tempo?
Você tem cabelos brancos há quanto tempo?
Deve fazer uns 25 anos. Ou mais. Estou no café de uma importante agência paulistana. É meu terceiro emprego em Publicidade. O primeiro foi numa pequena firma, o segundo numa poderosa multinacional, e agora acabo de aportar onde queria estar. O problema é transitar por entre tantas cabeças coroadas; eu, o rapaz do Piauí, o cabra da peste que veio para vencer no Sul.
Faz menos de um mês que bato ponto na icônica empresa como redator. Ando encantado com a quantidade de gente bonita, cheirosa, interessante. Ao pegar a xícara, aparece para dividir o espaço da copa comigo um afamado diretor de arte. Serve-se de chá. Depois olha para mim e faz um comentário:
Você tem cabelos brancos há quanto tempo?
Não compreendo a natureza da indagação, especialmente num lugar como aquele. Mesmo assim, não me nego a esclarecer:
Fiz 28 anos, mas os cabelos brancos são de família. Estão aí desde os 21.
Ele sorri, dá um golinho no Earl Grey, e diz:
Vou te dar um conselho: pinte os cabelos.
Solto uma risada meio nervosa.
Não gostou do tom das minhas melenas? – brinco.
Ele fica sério, acende um cigarro (podia-se fumar em ambientes fechados) e continua:
Falando sério, eu pintaria esses brancos. Pode fazer toda diferença pra você aqui, entende? Fora que não vai doer, é apenas uma tinturazinha e pronto.
Só depois de um bom tempo o entendo. No ecossistema da Publicidade dos anos 1990 qualquer sinal de senectude podia interromper carreiras de forma abrupta. Explica-me o diretor de arte que as lideranças vendem o “novo” aos clientes. E como ofertar o moderno usando um ancião de porta-voz?
Exemplifica sua hipótese:
Veja o Bob (chamemos o colega por um nome fictício), tem quase o dobro da sua idade e não aparenta nem 40 anos.
Podia não aparentar, mas nunca me trajaria como ele. Bob parecia ter juntado todos os símbolos da contemporaneidade, colocado num mixer, e aplicado em si. Corte de cabelo, panos, acessórios, adereços, sapatos. Tudo sobre aquele sujeito, já bem maduro, estava ali para mascarar a sua verdadeira idade.
Continuo no mercado publicitário até hoje. Peguei birra com o episódio no café da agência da moda e, por isso, nunca fiz sequer uma balayage em meus cachos. Agora noto uma maior preocupação, ao menos na empresa em que atuo, com as questões relacionadas ao etarismo e seus desdobramentos. Não concebo que, em 2023, alguém me chamaria de lado sugerindo uma aplicação de Grecin. É justo. E mais do que esperado uma evolução nossa como entes corporativos.
Dias desses, um estagiário me vendo em plena atividade, se achega e me pergunta, respeitoso:
Se você tivesse um slogan, qual seria?
Dou um tapinha nas costas do rapaz e digo:
Neve no telhado, fogo na lareira.
Compartilhe
Veja também