Campo minado
Maior uso de influenciadores e da cocriação gera questionamentos sobre terceirização de responsabilidades pela comunicação das marcas, especialmente quando algo dá errado
Maior uso de influenciadores e da cocriação gera questionamentos sobre terceirização de responsabilidades pela comunicação das marcas, especialmente quando algo dá errado
Nos últimos anos, dois movimentos paralelos no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) revelam mudanças significativas no estilo de abordagem, na criação de conteúdo e nas mídias onde são veiculadas as mensagens publicitárias no mercado brasileiro. De um lado, explodiram as denúncias sobre inadequação ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária de ações feitas nas redes sociais. Em 2016, as queixas relacionadas a anúncios na internet ainda eram menos da metade (48%). A partir de 2017, tonaram-se maioria e avançaram em curva ascendente, somando 74% em 2021. Já as postagens em redes sociais denunciadas representaram 15% dos processos abertos pelo Conar em 2017, cresceram nos anos seguintes e atingiram pico histórico durante a pandemia, totalizando 51% em 2020 e estabilizando em 46% no ano passado. Como comparação, no mesmo período de cinco anos, as reclamações envolvendo veiculações na TV caíram de 21% para 14,5% do total. De certa forma, um movimento natural, pois o engajamento com os seguidores e a relativa facilidade em trâmites contratuais — que, em muitos casos, nem existem oficialmente, dada a informalidade que ainda impera no marketing de influência — transformaram celebridades e influenciadores em vitrines cobiçadas e acessíveis para as marcas.
Simultaneamente, nos últimos anos caiu consideravelmente o número de julgamentos de casos no Conar encerrados com arquivamento dos processos, aqueles em que os conselheiros consideram que não houve infrações. Os arquivamentos foram o destino de 44% dos processos julgados em 2015, índice que diminui ano a ano até o recorde histórico de 16,5% em 2021. Ou seja, a contrapartida é o aumento de casos em que houve alguma punição, de sustação, alteração ou advertência — de 56% para 83,5% no mesmo período. Esse dado é, portanto, mais um a corroborar que as redes sociais são um campo minado para causar danos na comunicação e na imagem das marcas.
Como mostra o levantamento realizado por Meio & Mensagem pelo 11º ano consecutivo, publicado na edição 1994, com data de 24 de janeiro, a história que mais se repete é a do anunciante alegar que a citação à sua marca foi espontânea, em alguns casos após o envio de brindes para influenciadores — o que reacendeu uma das práticas mais antigas e questionáveis do marketing: a indústria do jabá. O argumento ainda usado por algumas empresas não cola no Conar, que aplica às postagens sobre marcas em perfis de influenciadores as mesmas regras que regem o conteúdo publicitário em outras mídias.
Os problemas gerados por ações comerciais nas redes sociais aumentam tanto que, em 2020, o Conar editou o Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais, que enfatiza, entre outras recomendações, a necessidade de o conteúdo patrocinado por marcas ser identificado como publicidade.
Como o marketing de influência cresce exponencialmente e rompe com o modelo tradicional da criação publicitária, dando protagonismo aos mensageiros que antes apenas cumpriam papel interpretativo de garotos-propaganda, instala-se uma discussão importante sobre cocriação e terceirização da responsabilidade. A equação se complica dada a enorme pulverização desse mercado, com infinitas opções de perfis em diversas redes sociais.
Em sua coluna na página 28, a jornalista Regina Augusto trata dos novos modelos comunicacionais, que mudaram a dinâmica de influência, transparência, relevância e credibilidade, ao analisar o caso recente do Bradesco, que, após a reação contrária de pecuaristas, desautorizou uma ação veiculada em redes sociais com conteúdo apresentado por influencers contratadas pelo banco, que sugeriam a diminuição no consumo de carne para contribuir com a redução do impacto ambiental.
Os tempos de polarização também anuviam o entendimento sobre o papel do Conar e da autorregulamentação no mercado publicitário brasileiro. As redes sociais são o veículo principal de críticas ao trabalho do órgão, com o acolhimento de reclamações sendo taxado de censura, o que demostra desconhecimento em relação aos trâmites nas instâncias do Conselho. Esse movimento de desinformação alimenta, inclusive, a prática de algumas agências e anunciantes, que aproveitam a abertura de processos contra suas marcas para tentar atrair atenção, colocando-se como vítimas da ditadura do politicamente correto que tolhe a criatividade publicitária.
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