Cannes 2024 e um futuro que não sairá de cena
Presença de determinados temas no festival mostra que a despeito do retrocesso de algumas marcas em propósito, certas questões não podem mais ser ignoradas
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Texto escrito em colaboração com Thomas Kolster, CEO da Goodvertesing Agency
A ideia deste texto começou semanas antes de Cannes, quando Thomas Kolster e eu fizemos uma reunião para pensar como nós, dois profissionais de comunicação e impacto vivendo em partes diferentes do mundo, poderíamos escalar a conversa sobre a responsabilidade que as marcas têm em um cenário de crises climáticas e sociais. A primeira pergunta que fizemos foi “o que temos a dizer sobre propósito de marca e o retrocesso que estamos vendo em algumas marcas?”. Minha opinião sincera sobre o tema, que foi reforçada após os cinco dias de festival, é que muitas marcas erraram na forma de fazer, tendo crises em ações táticas, pontuais, ou não mensurando resultados em médio e longo prazos e, agora, estão desacreditando todo o tema no lugar de amadurecer sua atuação nele. Thomas traz uma visão complementar, quando diz que “algumas marcas trataram o propósito como mais uma tendência, em vez de um impulsionador de marcas e negócios significativos”.
O interessante de estudar as campanhas que mais se destacaram em Cannes é que fica possível ver esses pontos na prática. Thomas nos traz um cenário macro fundamental quando diz que “tivemos menos marcas promovendo propósito ou sustentabilidade em Cannes este ano, mas se olharmos para os vencedores e especialmente para os Grand Prix, há muitas campanhas que se destacaram por impulsionarem uma mudança real e positiva”. E destacou três tipos:
Ações significativas
Um dos vencedores deste ano, a campanha “The Move to -15”, da empresa de transporte DP World, desafiou o transporte de alimentos congelados em todo o mundo e, munido de novas pesquisas, provou que a temperatura de transporte não precisa ser -18ºC, mas que -15°C não apenas é seguro, como também poupa dinheiro e emissões de carbono de até 17,7 milhões de toneladas por ano. A DP World incentivou outras empresas do setor a seguirem o exemplo e, agora, 60% de todas as remessas estão cobertas. É uma situação em que todos ganham.
Marcas que inspiram mudanças
A mudança é difícil e muitas vezes as campanhas visam os já convertidos, reforçando as atitudes das pessoas, não inspirando outras a pensarem ou se comportarem de maneira diferente. Nesse sentido, a campanha Futebol Feminino, da Marcel para a operadora Orange, distorce suas perspectivas ao fazer todos nós acreditarmos que estamos assistindo a uma partida de futebol masculino e, só no final, mostrando que, na verdade, é uma mulher jogando. Precisamos de mais campanhas como essa.
Pegada Positiva
O jornalismo está ameaçado. Ao mesmo tempo, vemos um aumento do sentimento de direita em todo o mundo. A campanha “The 100th Edition” criada pela Scholz & Friends para o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung nos mostra por que precisamos de jornalistas mais do que nunca e deixa sua marca para além de uma campanha. A análise do Thomas é perfeita. Eu só adicionaria um ponto que me chamou muita atenção: a atuação de propósito é fortalecida quando as marcas olham criticamente para sua cadeia de produção e encontram um território forte que atenua o impacto negativo que elas mesmas geram na sociedade e no meio ambiente. Como exemplo, destaco a campanha “Drops of Joy”, da marca de batatas Lay’s, que reconheceu o cenário de crise hídrica e criou uma tecnologia de fábrica que retira água da batata, que normalmente é desperdiçada, e devolve 120 milhões de litros por ano à natureza. Esse exemplo mostra como, às vezes, não é preciso ir longe para gerar impacto, basta olhar seu próprio quintal e ter responsabilidade de atuar nele. Mas não só de acertos são feitos os festivais. E um grande erro, Thomas quem cita: “A campanha “Recycle Me”, da Ogilvy Nova York para a Coca-Cola, é como uma bailarina em um planeta em chamas: é bonita, mas não é útil. Basicamente, a Coca-Cola tenta incentivar as pessoas a reciclarem suas latas com lindos pôsteres artesanais. Mas qual é o real impacto? Se a Coca-Cola quisesse fazer alguma diferença significativa em termos de reciclagem, poderia aplicar técnicas que já funcionam em outros mercados. Poderia criar sua própria infraestrutura de reciclagem, por exemplo. A marca é gigante e isso traz uma responsabilidade que parece ignorar. Em vez disso, usa o entretenimento e a publicidade para ganhar tempo diante do fato inevitável de que um dia terá que pagar por todo aquele lixo em todo o mundo”.
Nesse sentido, cabe olharmos com mais profundidade para os temas que abordamos em campanhas. Nenhuma ideia tem espaço para ser superficial em uma premiação que aborda contextos, como Cannes tem abordado cada vez mais.
Mas 2024 também está nos trazendo grandes mudanças na estruturação de lideranças de marketing no mundo. Com departamentos menores e mais pressão por prazos e custos baixos, fica a pergunta: qual lugar terá a discussão de sustentabilidade, impacto e propósito agora? Thomas traz um contexto internacional: as marcas, especialmente na Europa e nos EUA, estão se afastando da conversa sobre sustentabilidade para se concentrarem no crescimento. Ao mesmo tempo, o Cannes Lions abriu-se para vozes que normalmente não vemos no palco, como a Clean Creatives, que defende que a indústria diga não aos combustíveis fósseis. O que pode parecer um movimento progressista é provavelmente mais uma reação ao fato de o Secretário Geral da ONU, semanas antes, ter transmitido a mesma mensagem. O não aos combustíveis fósseis está se tornando um tema inevitável até mesmo para Cannes. E assim será também para marcas. Pois é, amigos da indústria. O crescimento é fundamental, mas o futuro não sairá de cena. Que venha 2025.
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