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Opinião

Carinho com os clientes e com os dados

A receita do sucesso da Zappos é original, mas pode servir de exemplo para muitas marcas


7 de novembro de 2024 - 17h10

Em 2014, nos Estados Unidos, uma avó entrou em contato com um e-commerce perguntando se conseguiria um tênis para seu neto autista. Ele estava crescendo e queria calçar os próprios tênis, mas não conseguia amarrar os cadarços. Ficava com raiva por não conseguir, isso baixava sua auto-estima e estragava o seu dia. A avó estava chateada porque não conseguia resolver um problema que deveria ser simples. O atendimento não conseguiu achar um produto adequado, mas prometeu retornar para a cliente e levou o problema para os superiores. Naquela época, no mercado, eram raros os calçados adaptáveis para pessoas com qualquer tipo de problema de saúde. “Vimos que era um problema real, que estava prejudicando a qualidade de vida dos nossos clientes. Então começamos a buscar parceiros para oferecer esses produtos, e no primeiro ano fechamos com quatro marcas, incluindo Skechers e Crocs. Isso é um exemplo do que chamo de ser obcecado com o consumidor”, recorda Joe Cano, VP de atendimento ao cliente da Zappos, o e-commerce de calçados que ficou famoso por sua atenção ao consumidor. No ano passado, por causa dessa iniciativa de adaptabilidade, a Zappos foi premiada como o site mais inclusivo dos EUA.

Joe contou essa história no palco do The Gathering, o evento anual que aconteceu na semana passada nas montanhas de Banff, no Canadá, e que reúne líderes de empresas de todo o mundo para falar sobre marcas e cultura. Sua apresentação mostrou como a empresa consegue se manter um sucesso impressionante graças a uma cultura bem definida, com foco obsessivo no cliente e estratégia baseada em muitos dados e consumer insights. Essa postura que fez lotar a plateia da palestra, com participantes como Sandro Magaldi, co-fundador do meusucesso.com e autor de diversos livros sobre marketing. “Eles conseguem criar na organização um comportamento consistente de valorizar da experiência do cliente, desenvolvendo uma cultura centrada nele, que envolve toda a organização, e fortalecem a crença de que esse é o propósito da companhia”, comentou, “é um caminho muito consistente”.

Como exemplo da orientação no cliente, pode-se contar que a empresa tem atendimento online 24/7 e que em breve funcionará 365 dias por ano, e aceita troca de produtos até um ano depois, com frete grátis para todos os Estados Unidos. Que busca ter modelos para todo o perfil de cliente, desde os tamanhos plus até os formatos especiais e recursos de acessibilidade. Mas o grande diferencial da Zappos, segundo ele, é que a empresa mudou a mentalidade do marketing, da busca obsessiva do ROI para a busca obsessiva da satisfação do consumidor. “Nem tudo pode ser medido em números. Claro que temos medições, temos KPIs, mas o foco não é esse, porque nem tudo é preto e branco. É ok viver no cinza se você buscar o valor a longo prazo”, raciocina. “Construir a confiança do consumidor leva tempo, mas é isso que buscamos medir, o valor do cliente ao longo de sua vida conosco”.

Para que essa visão tenha sucesso, são necessárias algumas características típicas das Cult Brands, as marcas que conseguem gerar uma hiperconexão com seus públicos. Uma delas é

que não basta ter conexão somente com os consumidores, é preciso também estar em sintonia e cuidar da satisfação dos colaboradores. “Eles é que cuidam do público, e se não estiverem alinhados com os princípios da empresa, se estiverem para baixo, o que também derruba o relacionamento com o consumidor”, explica. A Zappos tem um generoso programa de estímulo, e dá feedback com frequência. Assim, os funcionários alcançam um alto nível de satisfação, comprovado pelo tempo médio de empresa muito superior à média da concorrência.

Para ser obsessivo com os consumidores, também é preciso ser obsessivo com dados, produzindo informação e conhecimento. Como a empresa faz isso? Fazendo, por exemplo, testes práticos com públicos como passeadores de cachorros, que são convidados a usar 50 pares de tênis diferentes e dar notas para cada um. Também fazem testes com todo tipo de nicho de público – fashionistas, pessoas que gostam de corridas extremas, pessoas que correm com seus cachorros, e assim por diante. Utilizam várias ferramentas de inteligência artificial para identificar os problemas que o consumidor encontra em sua jornada, e fazer com que as equipes busquem soluções. Também fazem parcerias com Google e com as redes sociais, para melhorar o direcionamento de conteúdos e anúncios para seus diversos públicos. “Não adianta termos tudo no catálogo se o cliente não tem tempo para ficar navegando por 35 páginas de produtos quando vai comprar. Cada pessoa precisa ver o que interessa pra ela, então precisamos ter uma ótima curadoria”.

A cultura da Zappos vem de seu fundador, Tony Hsieh, um empreendedor visionário que queria criar a “empresa mais feliz do mundo” e estabeleceu um sistema de trabalho inovador e sem hierarquia rígida. Embora pela descrição pareça uma ideia meio maluca, o e-commerce se tornou um negócio tão lucrativo que foi comprado pela Amazon em 2009 por mais de US$ 1 bilhão. Tony morreu em um trágico acidente em 2020, mas a cultura da empresa permanece, mesmo sob o controle da Amazon. E, como observa Joe, continua crescendo 20% ao ano, então alguma coisa deve estar fazendo certo. Vale a pena acompanhar e aprender.

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