Carta às mulheres que ainda não nasceram
A cada 8 de março, reafirmo meu compromisso de cuidar da vida, continuar o legado de quem veio antes e inspirar mais pessoas a se comprometerem com a transformação
A cada 8 de março, reafirmo meu compromisso de cuidar da vida, continuar o legado de quem veio antes e inspirar mais pessoas a se comprometerem com a transformação
Rituais são importantes para fechar e abrir ciclos. Então, para meu 8 de março, cumpro meu ritual refletindo sobre minha atuação do último ano e reafirmando meu compromisso de seguir cuidando da vida, dando continuidade ao legado de quem veio antes e inspirando mais pessoas a se comprometerem com a transformação. Nesse sentido, meu compromisso com as mulheres para o próximo ciclo tenta responder a duas perguntas: “Você tem sido uma boa ancestral?” e “Que mensagem você deixaria para as mulheres que ainda não nasceram?”.
Ancestralidade é a conexão profunda com quem veio antes e com quem virá depois. É sobre aprender com os passos já dados e preparar o chão para os próximos. É entender que nossa existência não é somente sobre nós, mas sobre o que deixamos, sobre o impacto que temos nas pessoas e nos espaços que tocamos.
Para construir um legado justo, positivo, equânime e sustentável, precisamos começar agora. Isso significa honrar a nossa história, mas sem reproduzir as dores que vieram com ela. Significa reconhecer os privilégios e as responsabilidades que temos e agir com consciência e intenção. Seja na nossa carreira, nos espaços que ocupamos, nas famílias que construímos, nas crianças que criamos ou nas pessoas que apoiamos, cada escolha nossa desenha o futuro.
Eu me vejo muito nas mulheres que vieram antes de mim, na força das minhas ancestrais que resistiram, sonharam e abriram caminhos. Elas reverberam em mim na forma como lidero, falo, como e enfrento desafios. Elas me entregam coragem, mas também me colocam diante de perguntas difíceis: “Estou honrando o que recebi?”, “Estou indo além da sobrevivência e construindo um mundo mais justo para quem vem depois?”.
Olhando para a minha família, penso muito no que quero deixar. Quero que a minha presença seja um convite para que minha filha e todas as meninas e meninos que me cercam possam sonhar sem limites. Quero que saibam que pertencem, que são potentes, que suas vozes importam.
Estamos só de passagem, sim, mas podemos escolher como essa passagem vai fazer a diferença. Se cada um de nós plantar justiça, afeto e coragem, o que cresce depois de nós será um mundo onde ninguém precise pedir permissão para existir plenamente.
O mundo hoje nos pressiona a viver no ritmo da urgência, do imediato, do descartável. A inteligência artificial (IA), a automação, a busca por eficiência extrema, tudo isso nos coloca diante da ilusão de que o futuro já está dado, e que precisamos correr para não ficarmos para trás. Mas se há algo que aprendi, como psicóloga e executiva de RH, é que o que nos sustenta não é a velocidade, e sim a profundidade.
O filósofo Roman Krznaric critica esse “presentismo” justamente porque isso nos faz reféns do agora, sem nos conectar com o que veio antes e sem projetar um futuro mais sustentável. Estamos vivendo um tempo em que a energia masculina no trabalho — pautada pelo fazer, pelo competir, pelo controle — ainda domina, e isso alimenta um mundo ansioso, exausto e desconectado de si mesmo. Mas há um novo status quo emergindo. Um movimento que reconhece que o futuro não está escrito, e que a única forma de garantir relevância e carreira é investir no que é essencialmente humano: inteligência emocional, pensamento sistêmico, capacidade de criar diálogos e construir pontes entre tecnologia e humanidade.
Então, o que fazer agora? Cultivar raízes. Seja na sua jornada profissional ou na sua vida pessoal, o que vai te sustentar não é apenas a adaptação ao que é líquido, mas a habilidade de criar algo sólido em meio a isso. A resposta não está somente em acompanhar tendências tecnológicas, mas em se perguntar: o que me faz insubstituível? Quais são as habilidades e valores que transcendem qualquer revolução digital?
Eu vejo que o futuro pertencerá não apenas a quem domina tecnologia, mas principalmente a quem souber usá-la para amplificar humanidade. A liderança do futuro precisará integrar inteligência artificial com inteligência relacional. O sucesso de qualquer carreira dependerá da capacidade de navegar a complexidade sem perder de vista a ética, a colaboração e o impacto social.
Por isso, se quiser se preparar para o que vem, se dedique a construir relações, a desenvolver pensamento crítico, a entender o impacto do seu trabalho para além do agora. Porque tudo pode estar líquido, mas o que é verdadeiro, assim como a água, sempre encontra forma de permanecer.
Essa sensação de dar cinco passos para trás antes de avançar dois é real e, muitas vezes, frustrante. Mas quando olhamos com uma perspectiva ancestral, entendemos que o progresso raramente é uma linha reta. Ele é um ciclo, um fluxo que se move com avanços e retrocessos, mas sempre carregando a semente da transformação.
Os movimentos sociais nos ensinam que toda mudança significativa exige persistência, estratégia e uma visão de longo prazo. A luta das mulheres, das pessoas negras, das comunidades marginalizadas não começou agora, e tampouco termina na nossa geração. Olhar para trás nos ensina que cada direito conquistado foi fruto de resistência e sacrifício. Mas também nos mostra que, mesmo diante de retrocessos, há algo que nunca desaparece: a consciência do que é possível.
A ancestralidade nos dá perspectiva. Ela nos lembra que não estamos aqui apenas para resolver os desafios do presente, mas para pavimentar um caminho que facilite a jornada de quem vem depois. É por isso que a imaginação moral é tão poderosa: quando nos permitimos sentir e sonhar o futuro de quem ainda não nasceu, tomamos decisões mais responsáveis, mais justas, mais conectadas com a vida.
Se eu pudesse mandar uma mensagem de texto para uma mulher que ainda não está neste plano, seria esta:
“Você ainda não chegou, mas já está em mim. Eu carrego seu espaço, sua voz, sua liberdade nos meus passos de hoje. Sei que nem tudo estará resolvido quando você chegar, mas prometo que terá chão para caminhar. E se precisar lutar, que seja com mais esperança do que dor. Eu sou o sonho dos nossos ancestrais. Você é o sonho realizado de muitas de nós. E eu, agora, sou parte da sua história. Até breve.”
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