Cartomantes são mais confiáveis que futuristas
O futurismo é a versão neoliberal e cringe da astrologia: um placebo para ansiedades coletivas
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17 de fevereiro de 2025 - 14h00
As melhores cartomantes sabem há séculos o que os futurologistas convenientemente ignoram: prever o futuro exige mergulhar nas entranhas do presente — não em apresentações de tendências. Enquanto executivos sobem ao palco para vender um futuro irresistível disfarçado de insight, especialistas pintam cenários distópicos de metaversos inescapáveis e inteligências artificiais rebeldes.
Do lado de fora, a realidade escancara suas urgências: um planeta em colapso, democracias absolutistas e economias frágeis como castelos de NFT. O novo governo dos Estados Unidos brada políticas domésticas e internacionais que parecem uma revolução absolutista do abuso e do absurdo. A China lança inteligências artificiais que embaralham as certezas do mercado financeiro. Tudo isso embalado por uma catástrofe climática impossível de ignorar.
A pergunta não é mais “O que vem depois?”, mas “O que fazer agora?”.
O futurismo é a versão neoliberal e cringe da astrologia: um placebo para ansiedades coletivas, um ritual em que executivos profetizam disruptions e promovem downloads, enquanto ignoram que 86% das previsões de mercado só falham menos do que investimento em site de apostas. Em 2008, ninguém previu a crise imobiliária; em 2020 juraram que lives seriam o “novo normal” — e hoje, ironicamente, o normal é o cansaço de assisti-las. Metaverso, NFT, DAO, blockchain… O futurismo futurológico virou um dark pattern cultural: quanto mais incerto o presente, mais sedutor se torna o culto às fanfics do marketing.
Não se trata de zombaria, mas de desmascarar essa fetichização. A obsessão pelo futuro disfarça nossa dificuldade — ou incapacidade — de lidar com o presente. Quanto mais nos projetamos para o que vem pela frente, mais negligenciamos o que já está acontecendo. O problema é que essa fuga nos desarma estratégica e intelectualmente, tornando marcas, governos e indivíduos reféns de narrativas especulativas sem alicerce.
Para navegar num mundo no qual a incerteza é a única certeza, não basta desenvolver novas ferramentas; é preciso reconfigurar nossa forma de pensar e agir. Isso envolve não apenas um mindset, mas também um bodyset — uma disposição corporal para se movimentar e reagir com agilidade às forças que moldam o agora.
O desafio real não está em antecipar o futuro, mas em treinar nossa percepção para captar os sinais do presente e transformá-los em ação. Isso exige menos especulação e mais leitura de contexto, menos projeções fantasiosas e mais capacidade de resposta estratégica. Não basta investir em ferramentas de análise; é necessário sofisticar nossa interpretação da realidade, fortalecer nossa adaptabilidade e agir com ética e responsabilidade no mundo em que vivemos.
O futuro não é um destino a ser previsto, mas uma construção que emerge das ações que tomamos hoje. Enquanto nos distraímos com previsões improváveis, o presente segue seu curso — implacável e indiferente aos nossos delírios futuristas. Afinal, como diria qualquer cartomante que se preze, o futuro já está escrito nas linhas do presente. Basta ter olhos para ver e coragem para agir.
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