Clube do cancelamento
Lacra no LinkedIn, cancela no Twitter, mas pipoca no Zap
Lacra no LinkedIn, cancela no Twitter, mas pipoca no Zap
19 de fevereiro de 2021 - 13h50
Um exemplo em público, mas um escroto no privado. Conhece alguém? Se tem uma verdade que gosto de acreditar é que as redes sociais são muito boas em tirar o pior das pessoas. Lacra no LinkedIn, cancela no Twitter, mas é, no mínimo, complacente no WhatsApp.
Antes que seja cancelado, não estou pintando as plataformas sociais como as grandes vilãs do comportamento humano. Entendo que é mais complexo que isso. Sim, existem excelentes exemplos de coisas boas que só se tornaram possíveis através delas, mas o ponto aqui é outro. Refletir sobre o que talvez não esteja funcionando muito bem e tentar provocar uma discussão sobre esse tal mecanismo tecnológico capaz de tirar o pior da gente.
Vou começar com algo mais consensual. A maioria das plataformas sociais parte da premissa de uma interação que se pauta pela aprovação do outro. Sim, falo dele mesmo, o famigerado botão do “like”. Que já se mostrou capaz de moldar nosso comportamento. Somos, intuitivamente, coagidos a nos mostrarmos da forma que gostaríamos de ser vistos. Essa lógica pode exercer influência de formas e intensidades diferentes para cada pessoa, mas, de forma geral, estamos todos suscetíveis a isso.
É um ponto tão sensível que o próprio Instagram tornou invisível o botão de curtidas para seguidores. Isso já foi amplamente debatido, embora seus efeitos tenham sido apenas minimizados. Por outro lado, o Reels e o TikTok elevam o “like” a uma escala de palco global, bastando ter uma conta pública.
Na busca por essa aprovação social, o LinkedIn se mostra como a rede em que esse comportamento é mais perverso, porque está, indiretamente, relacionado a uma medição monetária.
Confesso que, de todas as redes, a que mais tem me atraído é o Twitter. Lá, parece que a forma como olhamos para um assunto, o jeito que trazemos nosso ponto de vista sobre uma pauta é o que faz a roda girar e o biscoito chegar. Para isso, é preciso autenticidade, algo mais difícil de manipular. Digamos que é um “like” que exige um pouco mais de sofisticação (há controvérsias!).
Muitas vezes, no intuito de se mostrar convicção e contundência, os tuiteiros tendem a rechaçar com mais veemência o que é moralmente questionável, eticamente frágil, socialmente reprimível. Parece que o Twitter tem um botão de “cancelar” escondido.
Bom, se pararmos por aqui, poderíamos concluir que são as plataformas sociais com essa premissa do “like” que mais provocam um comportamento irreal, falso e hipócrita nas pessoas, não é mesmo?
Um olhar mais atento e um mergulho um pouco mais profundo nesse tema, por outro lado, pode mostrar outra faceta. Talvez as pessoas se permitam a entrar no jogo por pura diversão. Talvez as pessoas não achem que os “likes” valham tanto assim. Entender isso pode nos ajudar a não cair no lugar comum da discussão sobre hipocrisia. Julgar as pessoas deliberadamente sem ao menos conhecer melhor os motivos e causas. Essa forma fácil de se colocar moralmente superior a outra pessoa sem ao menos ter todas as informações na mão é de uma arrogância e superficialidade grotescas. Precisamos trazer mais camadas para discutir temas que podem afetar a reputação de alguém. Se queremos construir uma sociedade melhor, precisamos ter essa honestidade intelectual.
O efeito rebote de quem só vê hipocrisia nas plataformas sociais é se comportar no extremo oposto. A honestidade pura, a verdade acima de tudo, a pregação do fim do mimimi, a crítica cega ao politicamente correto. Como se fosse possível viver sem um pouco de filtro.
E é no WhatsApp que esse comportamento se dissemina como um vírus destrutivo. Capaz de colocar em xeque democracias, a ciência, a verdade que não seja a que eu conheço. Diferentemente das outras redes, no Zap os elos são construídos em grupos privados e podem esconder vínculos tóxicos e disseminadores de rancor. Em prol de acabar com um inimigo maior, a “hipocrisia”, o constrangimento deixou de existir. A idiotização ganhou palco. Qual a chance de um amigo repreender outro por uma piada machista no WhatsApp? Quantas vezes se fala mal de alguém sem ao menos o alvo ter a chance de se defender? Que brigas as pessoas estão dispostas a comprar nos grupos corporativos? O WhatsApp elevou a crueldade da fofoca a outro patamar. Deu escala para a mentira. Afinal, o que seria uma verdade que se quer acreditar elevada a um status de verdade absoluta?
Chegamos ao momento em que ser famoso pode ter um preço desproporcionalmente desastroso. Expor-se tem um risco infinitamente maior de destruição da reputação do que de construção de popularidade. Se você duvidar dessa força, lembre-se que essa “verdade” elegeu um presidente, questionou uma vacina e afirmou que a terra é plana. Contra uma suposta hipocrisia, uma suposta verdade. Enfim, a hipocrisia.
*Crédito da foto no topo: Cassi Josh/ Unsplash
Compartilhe
Veja também
A consciência é sua
Como anda o pacto que as maiores agências do País firmaram para aumentar a contratação de profissionais negros e criar ambientes corporativos mais inclusivos?
Marcas: a tênue linha entre memória e esquecimento
Tudo o que esquecemos advém do fato de estarmos operando no modo automático da existência