Como sobreviveremos num setor em que as regras sumiram?
Esta indústria precisa urgentemente de novos arcabouços regulatórios que a una. Ou vai ficar à mercê de um capitalismo mais forte e poderoso do que ela inteira
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23 de fevereiro de 2021 - 16h35
Um setor sem regras claras de negócio tende ao caos negocial e empresarial. A indústria de comunicação e marketing no Brasil vive esse drama. Se não criarmos regras rápido, todos sofreremos com isso.
“Lei nº. 4.680, de 18 de Junho de 1965 Dispõe sobre o exercício da profissão de Publicitário e de Agenciador de Propaganda e dá outras providências. Art 11. A comissão, que constitui a remuneração dos Agenciadores de Propaganda, bem como o desconto devido às Agências de Propaganda serão fixados pelos veículos de divulgação sôbre os preços estabelecidos em tabela. Parágrafo único. Não será concedida nenhuma comissão ou desconto sôbre a propaganda encaminhada diretamente aos veículos de divulgação por qualquer pessoa física ou jurídica que não se enquadre na classificação de Agenciador de Propaganda ou Agências de Propaganda, como definidos na presente Lei.”
Acima, você leu trecho da Lei nº. 4680, promulgada pelo presidente Castelo Branco em junho de 1965. Foi o primeiro diploma legal a estabelecer regramento sobre a indústria da comunicação e da publicidade. De lá para cá, esse setor, o nosso, criou uma série de outras normas para o exercício da profissão, para o fluxo dos negócios e das relações comerciais entre seus players, para que códigos de ética orientassem o que devemos e o que não devemos comunicar.
Todas as normas prioritariamente autorregulamentadas, que vieram a se somar à lei federal primeira, num arcabouço institucional jurídico e para-jurídico, que contribuiu para efetivamente estruturar toda a indústria, nestes mais de 50 anos. Meio século.
Mesmo sob a tutela, bem-vinda para a saudabilidade das empresas que operam neste negócio, de todo esse aparato, vivemos momentos de conflito, admitamos. Anunciantes insatisfeitos, agências incomodadas, veículos desamparados.
Mas, ainda assim, havia parâmetros.
Todos os setores saudáveis das economias de mercado carecem de leis e normas que o regulamentem e orientem, sem as quais o que resta é uma espécie de barbárie corporativa descontrolada, em que mesmo os que se acreditam mais fortes, perdem, porque se tornam vulneráveis e reféns de ardis e boicotes dos demais elos da cadeia, dos quais, ao fim e ao cabo, necessitam umbilicalmente, ainda que aparentemente desdenhem.
O desligamento da ABA do Cenp é apenas mais um capítulo dessa novela mal dirigida e mal atuada por todos os personagens em cena. A frágil aliança dos anunciantes, via Cenp, com as agências e, como consequências, com os demais setores do mercado, vinha se mantendo, há uma década ao menos, sob um regime de pré-ruptura iminente, e o desligamento era não só esperado, como, em verdade, inevitável.
Indústrias que vivem momentos assim são indústrias doentes. E com elas o capitalismo é cruel, porque mesmo que se reconheça que há fortes e fracos em sua dinâmica correlacional de poder econômico, sem o esteio dos fluxos correntes de negócios interrelacionados que coabitem na geração de valor para todos, sociedade lá na ponta esperando que tudo funcione direito, o sistema expele o vírus invasor e mata a doença extirpando o órgão doente.
A nossa indústria é fundamental para o capitalismo porque é a indústria das outras indústrias. É ela que fomenta toda a imensa, zilionária e vital dinâmica de criação de valor para consumidores e empresas. Sem a qual o próprio capitalismo nem mais capitalismo é.
No entanto, nada no capitalismo é tão fundamental assim. Anunciantes não são vitais. Agências não são vitais. Veículos não são vitais. Tudo pode ser substituído, incorporado, transformado, dissolvido por outros players mais fortes e ainda mais poderosos que todos esses juntos.
Vivemos, economicamente falando, a era das plataformas e das empresas-nação. Companhias tão gigantes que, em muitos casos, operam à margem das normas legais e acima das nações. Esse é um novo capitalismo, que podemos chamar de global porque ele de fato é, mas clusterizado em mega clusters, impérios versus impérios. Todos os demais são súditos.
Nossa indústria, aquela escrita em lei lá em 1965, é um ecossistema interdependente, interdependência sem a qual a coesão se esvai e a lei nem teria mais razão de existir, porque estaria a regulamentar setor que nem existe, porque seus elos constituintes se quebraram e não atuam mais em coesão.
Há só desvantagens nessa ruptura. Mesmo os anunciantes, indiscutivelmente o vetor mais poderoso da indústria, se enfraquecem diante dessas novas uber-estruturas planetárias, porque, ainda que fomentem seus cofres, isolados, são negociadores fragilizados por uma independência ilusória. Não há anunciantes sem toda a infraestrutura da indústria de comunicação e marketing que os suporta, alimenta e provê. Sem ela e isolado, anunciante nenhum consegue fazer coisa alguma. Vai comunicar o quê? Vai produzir como? Fazer marketing de que forma?
Esta indústria precisa urgentemente de novos arcabouços regulatórios que a una. Ou vai ficar à mercê de um capitalismo que se insinua mais forte e poderoso do que ela inteira. Unida como neste meio século, se fortalece e ganha músculos para seguir promissora. E fomentando todas as demais indústrias, como sempre fez.
*Crédito da foto no topo: Eugenesergeev/iStock
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