10 de fevereiro de 2017 - 14h00
Em dezembro do ano passado eu participei de um painel no evento do Share, onde discutimos o ambiente de trabalho. A ideia do painel nasceu depois do mercado ter visto uma lista que “vazou”, de uma suposta pesquisa que estava sendo conduzida para auxiliar uma pessoa que buscava referência de empresas, e que prometia o anonimato ao perguntar para os profissionais das principais agências de publicidade do Brasil: como é trabalhar aí?
Os participantes do painel trocaram algumas mensagens antes do evento pra pensarmos juntos em alguns sub temas que poderiam ser relevantes pra conversa e o Gustavo Bacchin, da Cadastra, que seria o mediador do painel, mandou três perguntas pra todos. Vários desses aspectos foram de fato discutidos no painel, mas no processo de preparação eu acabei escrevendo algumas coisas que achei que poderiam ser estruturadas nesse artigo.
Pergunta 1: A definição de sucesso está cada vez mais distante da ideia de altos cargos executivos, dinheiro, casa e carro novo. Estamos buscando o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, remuneração mais alinhada com esforço e resultados, “propósito” no trabalho e fazer algo que se ama. Dado esse cenário, como as empresas se mantêm relevantes para atrair talentos?
Resposta: As empresas de hoje não podem mais pensar como se estivéssemos no começo da revolução industrial. Esperar que as pessoas cheguem, produzam continuamente por oito horas seguidas e vão embora não faz mais sentido hoje, mas toda a lógica das relações trabalhistas ainda está construída sobre essa premissa.
As empresas tem que ser agregadores, hubs, coletivos de talentos agrupados a partir das disciplinas e da necessidade de entrega. Por outro lado, o profissional também têm que se desapegar da estabilidade para estarem abertos a outras formas de relação e, consequentemente, de remuneração
Felizmente há correntes que começam a repensar esse modelo do contrário o apelo vai ser cada vez menor. A forma de se trabalhar é cada vez mais decisiva na escolha de uma posição. Claro que temos que entender o contexto macro econômico atual e sabemos que na atual conjuntura, qualquer pessoa vai aceitar um ambiente de trabalho qualquer pelo fato de ter um emprego.
Mas o fato é que isso é cada vez menos atraente para o entrante.
As empresas tem que ser agregadores, hubs, coletivos de talentos agrupados a partir das disciplinas e da necessidade de entrega. Por outro lado, o profissional também têm que se desapegar da estabilidade para estarem abertos a outras formas de relação e, consequentemente, de remuneração. Modelos que ainda não temos e que ainda tem barreiras, inclusive legais. Comparativamente, isso é muito mais complicado de gerenciar do que o modelo atual, mas é infinitamente mais relevante para um novo contingente de profissionais.
Segue um pouco a tendência do que vem acontecendo na relação entre agência e cliente. Uma relação de parceria, confiança, sociedade.
Pergunta 2: Nunca antes se falou tanto em conflito de gerações no ambiente de trabalho. Entre tanto desafios, gerações diferentes têm dificuldade em se comunicar e isso causa rupturas no trabalho, impactando de um lado a qualidade do que a empresa entrega para seus clientes e, por outro, a oportunidade do colaborador de evoluir e se desenvolver. Afinal, independente de qualificação e experiência, quais são as atitudes e habilidades que uma pessoa precisa ter para ser um profissional de sucesso hoje e amanhã?
Resposta: Não acho que seja um conflito de geração, acredito num conceito de cultura. De comportamento. Lembro do filme Colors, dirigido por Denis Hopper, que se passa na violenta Los Angeles da década de 80, com dois policiais como protagonistas, um mais novo, vivido por Sean Penn, e um veterano, feito por Robert Duval. Tem a passagem dos coiotes e das vacas que o Robert Duval conta pro Sean Penn.
Filme Colors, de Denis Hopper. Foto: Reprodução
Outro exemplo é o roteiro da peça Vermelho, texto de John Logan que conta a relação do artista plástico Mark Rothko com seu assistente, em uma troca muito sensível de visões de mundo que nos faz refletir muito sobre nossas relações, independentemente da nossa idade.
Peça Red, de John Logan. Foto: Reprodução
Os dois exemplos mostram na verdade que é importante definir como cada geração, a partir da sua trajetória e do seu repertório, contribui para melhorar o resultado final do que se propõe a entregar.
Além disso, as atitudes necessárias pra vida são aquelas boas e velhas que deveriam nortear todos nós como seres humanos. Respeito – aqui eu gosto de repetir a definição que eu ouvi da Terezinha Rios: respeito é o reconhecimento da existência do outro –, colaboração, generosidade, humildade. E algumas que podem ser trabalhadas pois são cada vez mais requisitadas: flexibilidade, desapego, curiosidade, retórica.
Sim, retórica. Saber se expressar claramente, articular suas ideias e convencer seus pares pela palavra é essencial para qualquer situação contemporânea. Claro que isso pode ser mais ou menos natural pras pessoas, mas continua sendo importante. E pode ser desenvolvido.
Pergunta 3: O Google é uma das referências quando se fala de empresas que oferecem diversos atrativos e facilidades como academia, refeitórios, sala de jogos, decoração descolada, vestuário relaxado, carga horária flexível e opção de trabalho remoto. Tudo sob o discurso de melhoria na produtividade. Porém, muitos dizem que tudo isso é apenas para que o colaborador fique mais tempo na empresa, trabalhando, mais horas sem reclamar. Enfim, qual é o formato das empresas do futuro? Que ambiente, facilidades e conveniências tem realmente um impacto positivo?
Filme “Estagiários”. Foto: Reprodução
Resposta: Trabalhando ou não no Google, o trabalhador ESTÁ trabalhando mais tempo, mais horas. Ponto. Isso acontece. Há muito perdeu-se a fronteira entre pessoal profissional e é por isso que a CLT é anacrônica como suporte para as relações de trabalho. Cabe ao trabalhador definir, estabelecer e ser disciplinado com relação à esse limite. E isso tem a ver com a questão 1: Qual é o combinado? O que tem que ser entregue e quando? Temos que ser maduros no momento de assumirmos esses compromissos.
Além disso tem a história dos diferentes ambientes de trabalho – mais ou menos hostis, mais ou menos massacrantes. Eu já ouvi pessoas se referindo a uma empresa como “moedor de carne”. Isso é inadmissível. Quem permite que isso aconteça é o profissional que aceita trabalhar nesse esquema, e a lista que se espalhou reflete isso. Em um ambiente desse tipo sempre vai ter gente querendo ferrar gente, em todos os sentidos.
Tudo está no clima. A lista, que acabou gerando essa história toda falava disso. Na minha visão, esse comportamento que acabamos vendo ainda em muitas agências, vem daquele modelo anacrônico de prazos insanos, concorrências malucas e pressão pra manter as margens em um cenário que está derretendo. Isso faz aumentar a pressão e as pessoas ficam loucas. Virar noite, final de semana, isso também aparece na pergunta 1, mas é uma questão de achar uma maneira nova de estabelecer essa relação profissional.
Tem uma coisa que acaba acontecendo nas contratações que é o fator humano. O lugar pode ser legal, mas cada vez com mais frequência as pessoas perguntam: Como é trabalhar aí? As pessoas são gente boa? São “do bem”? Ou seja, é um ambiente onde vão querer me ferrar o tempo todo (tipo Mad Men – velho) ou há espaço para colaboração?
Acho que isso é o que realmente faz diferença e é totalmente controlável. E pode ser medido em pesquisas como a Great Place To Work. Nos resta sensibilizar novas lideranças pra começar de um jeito diferente, inventando as novas relações de trabalho.
Referências adicionais:
Why we need to start talking about the digital skills gap
These 10 Employee Skills Will Soon Be In Huge Demand
PSFK’s Six Future Workplace Visions For Improving The Work Process
Employee Manual Sample Board