Comunicação interna no fio da navalha
Existe um equilíbrio a ser encontrado, de forma que a comunicação interna seja engajadora e desenvolvedora de boas relações, e não algo desconectado da realidade ou do anseio das pessoas
Existe um equilíbrio a ser encontrado, de forma que a comunicação interna seja engajadora e desenvolvedora de boas relações, e não algo desconectado da realidade ou do anseio das pessoas
Sou gestor de marketing e comunicação da IBM Brasil há dez anos. Esse tempo me permite fazer uma análise muito peculiar da evolução das coisas, tendências e mudanças de direção. Uma das ocorrências mais flagrantes acontece na área de comunicação interna, que vem andando no fio da navalha. Há anos venho falando que a área de comunicação interna das empresas ia passar por um processo acelerado de transformação, deixando de ser uma área de produção de conteúdo e controle, para se tornar uma área de curadoria e fomentadora de conversas colaborativas entre os funcionários sobre temas estratégicos selecionados pela empresa.
Venho defendendo essa visão desde a década passada. Sempre falei isso como algo de um futuro próximo, mas finalmente aconteceu, a transformação já está aqui, na frente da gente. Ela não ocorreu como um click de interruptor “pronto! mudamos!”, mas veio chegando de forma silenciosa, invadindo lentamente o território.
Vejo muitas empresas ainda com uma comunicação interna restritiva, acanhada e conservadora, ainda com uma visão de controle excessivo sobre o que é publicado e distribuído à sua força de trabalho. O papel institucional inerente à área de comunicação ainda domina a atividade, deixando pouca margem para que o protagonismo da comunicação seja dado a quem é de direito, que é o funcionário. Existe um impasse evidente, com as pessoas em suas vidas privadas vivendo um intenso ativismo nas mídias sociais, compartilhando suas ideias e visões pessoais sobre qualquer assunto, e essas mesmas pessoas, já como funcionários em seus ambientes de trabalho, lidando com poucos canais colaborativos de comunicação e limitada liberdade de expressão. Entre os dois extremos existe um equilíbrio que precisa ser encontrado pelas organizações, de forma que a comunicação interna seja vista como engajadora e desenvolvedora de boas relações, e não algo desconectado da realidade do dia a dia ou do anseio das pessoas. Eu tenho uma experiência pessoal muito interessante e que apresento a seguir.
O ambiente de comunicação da IBM é muito particular. Todos os funcionários têm um notebook como ferramenta de trabalho e as mídias sociais são liberadas para uso. Nós incentivamos que os funcionários sejam representantes ativos da empresa no mundo online, por isso, a organização recorrentemente capacita os funcionários quanto à presença e atuação nas mídias sociais. Somos uma grande empresa cujos funcionários têm um incrível potencial de produção de conteúdo. O ambiente é inclusivo, com diversidade, com claro incentivo para as pessoas apresentarem suas ideias e seus pontos de vista. Por fim, por sermos uma empresa de tecnologia, a transformação e o novo conhecimento vivem em nosso cotidiano, não existe acomodação e perenidade em nada, tudo muda o tempo todo, e nada parece ser simples. A consequência desse cenário é a existência de um ambiente profundamente propício para a troca de conhecimento e ideias.
O molho mais recente jogado nessa salada foi o tsunami transformacional na forma como trabalhamos dentro da IBM. De poucos anos para cá, fomos invadidos por novas ferramentas e metodologias de trabalho como design thinking, técnicas agile etc. Surgiu como uma novidade, algo bacaninha, mas aos poucos foi se tornando uma obsessão em diversas áreas da empresa. Atualmente, identificamos um movimento de adoção mais massiva dessas técnicas, gerando um aumento brutal na capacidade colaborativa e criativa da organização, bem como um aumento de espírito de time, compartilhando conhecimento e alinhamento de propósito e objetivos.
Esse cenário deu à comunicação interna um papel protagonista. Criar um clima apropriado e entregar uma plataforma colaborativa verdadeira para esse movimento de transformação foi algo primordial. Fácil de falar, desafiador para planejar e muito difícil de fazer. O que aconteceu, de fato, foram vários movimentos ocorridos simultaneamente, não necessariamente bem planejados. Anos atrás, eu falava que eram tendências, mas agora não são mais tendências, são dinâmicas de fato, que listo a seguir.
1- Rede colaborativa se tornou o principal canal de comunicação interna
Temos uma robusta rede interna colaborativa há muitos anos, com muita liberdade para conversação e incentivo para o debate. Existem milhares de comunidades online e não conseguimos mais imaginar o trabalho sem elas. Qualquer funcionário pode publicar conteúdo, criar uma comunidade, postar vídeos sobre qualquer assunto e opinar em qualquer forma. Portanto, esqueça uma comunicação interna controladora, isso não existe nesse ambiente. A comunicação interna privilegia intensamente a colaboração e a conversa.
2- Produção de conteúdo feita pelos funcionários.
Hoje, a maior parte do conteúdo que circula na organização é produzido pela própria força de trabalho. Estamos menos preocupados com o perfeccionismo da linguagem e mais focados na essência da mensagem. Qualquer um pode publicar seu conteúdo e promover debates de temas que desejar. A própria rede regula os interesses e os debates.
3- Mídias sociais abertas são importantes elementos e fazem parte do engenho de comunicação interna
Incrivelmente, o consumo de conteúdo via mídias sociais abertas como Facebook, LinkedIn, Instagram e outros se tornou muito relevante. Em vez de ignorá-las, os planos de comunicação interna incluem projetos com essas mídias. Aceitando ou não, a adoção de tais mídias pelos funcionários é crescente e acelerada. Os funcionários são porta-vozes importantes da empresa, portanto, aprendemos que temos um papel fundamental na orquestração dessa realidade, capacitando e criando mecanismos para integrar as mídias sociais abertas aos nossos planos e objetivos da comunicação. Não é simples, mas consideramos inevitável.
4- Área de comunicação interna se transformando numa plataforma de curadoria e engajamento
Com milhares de funcionários produzindo e consumindo conteúdo, e incentivados para conversar sobre as questões estratégicas da empresa, a área de comunicação interna se transformou primordialmente em uma área de curadoria e engajamento. Em vez de se preocupar com a atividade de produção de conteúdo, a área de comunicação interna agora tenta direcionar a conversa, provocar o debate e incentivar que os funcionários produzam conhecimento e conversas alinhadas com o propósito, estratégias e objetivos da empresa. Tal transformação provoca uma mudança radical na forma como a comunicação trabalha, exigindo que o time de comunicação desenvolva novas competências e expertise, investindo na adoção de novas ferramentas e métodos de trabalho.
5- Integração intensa com as diversas áreas da empresa, especialmente Recursos Humanos
O perfeito entendimento dos objetivos e estratégias das principais áreas da empresa se tornou fundamental para o trabalho de comunicação. No momento que todos são comunicadores com liberdade, essa integração passou a ser condição básica para o nosso trabalho. Esqueçamos aquela imagem da área de comunicação correndo atrás das pessoas das áreas para produzir conteúdo e informar o que áreas estão fazendo. Agora a dinâmica é outra.
6- Reforço do papel de liderança nas conversas
Com tanta gente falando e interagindo, o espaço da liderança dentro desse território tem que ser protegido e tratado de forma especial. Hoje, os executivos da empresa têm seus blogs e espaços, abrindo um diálogo saudável com a força de trabalho. Tal processo tem mostrado um incrível progresso, mas ainda temos muito trabalho a fazer nesse item.
7- Menos texto, mais vídeos e imagens
Em função do mundo dinâmico que todos vivemos, o consumo de textos longos e complexos diminuiu bastante. Por outro lado, o interesse por comunicações curtas, imagens e pílulas de conteúdo aumentou tremendamente. Não foi algo tão planejado assim. O que era tendência se tornou fato, naturalmente.
8- Ouvir mais do que falar
Hoje, a comunicação interna também é pautada pelas conversas que mapeamos internamente. Identificamos temas de interesse que surgem nas comunidades online, entendemos as ansiedades e aprendemos junto com os funcionários. Descobrimos que temos um papel fundamental em ouvir muito, para falar melhor.
9- Fim do tapete
Com tanta liberdade de comunicação e conversa, acabaram os temas escondidos e eventuais paradigmas a respeito do debate sobre determinados temas. Não existe mais tapete para jogar as coisas para baixo dele. A transparência e a clareza passaram a ser oxigênio desse novo ambiente existente.
10- Mobilidade e colaboração
Interrompemos a produção de revistas impressas e murais. Reduzimos a prioridade dos meios que não são dinâmicos e interativos. Tornou-se fundamental levarmos a comunicação aonde o funcionário está, com conveniência e facilidade. Tal premissa privilegia soluções e canais que permitam mobilidade e interação instantânea.
As dez dinâmicas acima são muito pertinentes ao contexto IBM, que pode servir como inspiração e benchmark para outras propostas e alternativas. Cada organização tem as suas características e necessidades. Por exemplo, empresas de manufatura e exploração de recursos naturais têm ambientes bem distintos, exigindo soluções próprias de comunicação. Porém, é indispensável considerar que os funcionários, independentemente do nível hierárquico e especialização, desejam colaborar, produzir conteúdo, se relacionar e buscar maior protagonismo dentro da organização. Isso hoje é algo inerente à sociedade que vivemos. Tudo gira ao redor de duas palavras-chave: curadoria e engajamento.
A nossa experiência na IBM é repleta de boas histórias, a evolução é evidente, mas também repleta de aprendizados, desafios e decisões difíceis, como aquela que tomamos de terminar com as revistas impressas. Abandonar fórmulas de sucesso e meios que dominamos é um desafio constante, mas inevitável para podermos buscar novas alternativas e inovações. Fazer mais com menos, fazer diferente, tem sido uma constante. Várias vezes optamos por caminhos que se mostraram difíceis e equivocados, nesses casos tivemos humildade para mudar de rota e reconhecer as falhas. O certo é que a complexidade aumentou, tudo parece instantâneo e mais efêmero, a expectativa é grande, com uma força de trabalho exigindo cada vez mais velocidade e criatividade.
A comunicação interna da maioria das empresas anda no fio da navalha. De um lado corre a preocupação de se manter a comunicação interna dentro dos preceitos da boa comunicação, canais controlados, conteúdo dosado e equilibrado, sem sobressaltos e norteadora das prioridades impostas pelo comando executivo. Do outro lado, a voz dos funcionários, que desejam participar mais ativamente da operação e das decisões das empresas, que desejam ser mais ativos e menos passivos, tendo uma geração que nasceu no mundo da mobilidade e das mídias sociais começando a ocupar posições de liderança. Esse é um impasse cujo resultado final nós já sabemos. A dúvida é responder quanto tempo vai demorar para essa mudança.
Compartilhe
Veja também
A consciência é sua
Como anda o pacto que as maiores agências do País firmaram para aumentar a contratação de profissionais negros e criar ambientes corporativos mais inclusivos?
Marcas: a tênue linha entre memória e esquecimento
Tudo o que esquecemos advém do fato de estarmos operando no modo automático da existência