Confiança: um desafio para as tecnologias digitais
Quanto melhor a reputação da marca ou da empresa, menor seu esforço para convencer o consumidor a comprar, menor seu custo de capital e menor seu custo para remunerar mão de obra qualificada
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Como as marcas constroem confiança quando as interações com fornecedores, distribuidores e consumidores são crescentemente mediadas pela tecnologia? E quais são os indicadores que as marcas devem incorporar nos seus modelos de preços e previsão de mercado com base nestes novos formatos de confiança?
A questão é fundamental quando pensamos o tema da reputação do ponto de vista dos custos de transação entre empresas e consumidores. De maneira geral, quanto melhor a reputação da marca ou da empresa, menor seu esforço para convencer o consumidor a comprar, menor seu custo de capital (fornecedores estão dispostos a receber em prazos mais longos e bancos a emprestar com juros menores) e menor seu custo para remunerar mão de obra qualificada (para trabalhar em uma empresa valorizada, as pessoas estão dispostas a receber uma remuneração menor que a de empresas com má reputação).
A digitalização das redes sociais criou uma “inflação de opiniões” que tornou os ciclos de construção e destruição de reputação muito mais rápidos. E contribuiu para uma “erosão da expertise” — a crescente desconfiança sobre toda a fonte de informação com uma chancela “oficial”, seja pública ou privada (para quem tiver mais interesse neste assunto, recomendo o excelente livro The Revolt of The Public and the Crisis of Authority in the New Millennium, de Martin Gurri, um ex-analista da CIA que se especializou em analisar o impacto da combinação entre a mídia clássica, as redes sociais e a industrialização das fake news.
No caso da tecnologia digital, a confiança pode ser definida como a disposição de um agente em se colocar em uma posição de vulnerabilidade visando a realização de algum tipo de troca — monetária ou emocional — por meio de uma interface eletrônica (não tenho espaço para entrar em maiores detalhes aqui, mas o tema é objeto de estudo pelo menos desde meados dos anos 1990 com a popularização da web). Isso implica crenças sobre a outra parte que está envolvida na relação em termos da sua habilidade (em manter meus dados seguros, por exemplo), sua integridade (em utilizar meus dados exclusivamente para o nosso benefício mútuo) e sua benevolência (a disposição em implantar uma ação corretiva no caso de problemas).
A crescente conscientização dos consumidores em relação ao valor dos seus dados comportamentais implica novas frentes de questionamento sobre a habilidade e integridade das organizações nesse setor. Uma pesquisa da Salesforce, com 6,7 mil consumidores de 15 países, incluindo o Brasil, mostrou que 62% deles estão confusos em relação à maneira como as empresas usam seus dados pessoais. E uma curiosidade no caso brasileiro: somos o único país no qual esta desconfiança é maior entre os compradores B2B (de empresas) do que entre os consumidores finais (42% x 38% respectivamente). Outro estudo, o Trust Barometer da Edelman , mostra que as empresas brasileiras enfrentam um sério problema de confiança — empresas com origem brasileira só têm mais credibilidade que as de origem mexicana (39% contra 35% respectivamente).
O aumento do uso da Inteligência Artificial vai inevitavelmente intensificar essa desconfiança, seja por conta de problemas de implantação (como o famoso chatbot racista da Microsoft) até seu uso aberto para monitorar o comportamento das pessoas (como na China). Alguém pode argumentar que este desconforto vai passar depois que nos acostumarmos com estas tecnologias (e historicamente é o que acontece), mas em um mercado cada vez mais globalizado e competitivo, quem souber conquistar mais rapidamente a confiança do consumidor pode explorar melhor (maiores margens de lucro e penetração de mercado) a fase de adoção de novos produtos.
O problema será mais grave para empresas que dependem da personalização (como as empresas de mídia) para aumentar sua eficiência. Ao contrário da padronização na primeira metade do século 20, que era um sinalizador de confiança (pense no modelo T da Ford ou hambúrguer do McDonald’s em um mercado no qual não havia nenhum padrão), a personalização neste início de século 21 depende da confiança do consumidor para primeiro entregar seus dados e depois receber o “produto”.
No meio ambiente digital, a noção de que os dados serão bem guardados e utilizados é fundamental para reduzir a “fricção” das trocas entre consumidores e empresas. Claro que outros fatores podem contribuir para um aumento do atrito em uma transação online, como por exemplo a infraestrutura de banda larga, a usabilidade do site, a necessidade de múltiplas senhas, impactando na percepção da habilidade da empresa. O fundamental, no caso dos problemas que inevitavelmente surgirão, é que ao mesmo tempo que implantamos iniciativas de big data, inteligência artificial e outras similares, também cuidemos da percepção do consumidor sobre nossa habilidade e integridade no uso dos seus dados e, principalmente, de montar uma estrutura que possa, no caso de problemas, atuar de forma absolutamente honesta e transparente. É uma bela oportunidade de branding, não é?
* Crédito da foto no topo: Reprodução
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