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Opinião

Crenças e hábitos

Uma das principais conjunturas de transformação do Brasil, crescimento dos evangélicos influencia a política e o consumo, e exige atenção e representatividade nas estratégias de marketing e de comunicação das marcas


5 de novembro de 2024 - 14h00

“O hábito precisa da crença para operar a expectativa da repetição”. Essa é uma das interpretações feitas por ensaístas que analisam as ideias do filósofo britânico David Hume, que viveu no século 18. Emprestando o princípio filosófico à realidade capitalista, é inegável que crença e confiança impactam a jornada de consumo, que se sustenta pelo hábito da repetição.

Há inúmeras pesquisas que mostram o impacto da reputação das marcas nas decisões de consumo. Uma das mais recentes, divulgada na semana passada pela Nexus, unidade de dados da FSB Holding, que ouviu, em setembro, 2.006 pessoas, diz que, nos últimos dois anos, 47% dos brasileiros deixaram de consumir produtos ou serviços por conta do envolvimento das empresas em casos de desrespeito ou discriminação — 59% responderam que o fizeram por questões relacionadas a posicionamentos políticos. Como é de se esperar, o índice cresce em grupos minorizados, chegando a 71% nos consumidores LGBTQIAPN+.

Não há dúvidas de que a popularização das redes sociais escalou a cultura do cancelamento a níveis nunca vistos, injetando rapidez e apelo à mobilização pública e exigindo posturas mais transparentes, de políticos a marcas. Apesar dos efeitos inegáveis das mobilizações ativistas na mudança de comportamento da sociedade e, consequentemente, das empresas, são raras as análises que mostram impacto decisivo nos balanços financeiros, especialmente das grandes companhias, após vivenciarem crises de imagem ou sofrerem ondas de boicote. No caso da Vale, por exemplo, a alta demanda por minério de ferro impulsiona os lucros e supera prejuízos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019, a maior tragédia humanitária da história do Brasil.

Fato é que, nesse vão de dúvida entre o poder das mobilizações e a força dos negócios, o marketing e a comunicação precisam se municiar de informações, e interpretá-las corretamente, sobre crenças e hábitos da população à qual destinam seus produtos e serviços. Portanto, não podem deixar de entender movimentos como o do crescimento dos evangélicos, que se configura em uma das principais conjunturas de transformação do Brasil nos últimos anos. Esse grupo é o segmento religioso que mais cresce no País, aumentando sua influência na sociedade, na política e no consumo. Segundo o IBGE, representava pouco mais de 6% da população, em 1980, saltou para 22%, em 2010, e deve chegar a um terço no Censo de 2022, cujos detalhes ainda não foram divulgados.

Entretanto, 52% não se sentem representados na publicidade e 39% não se consideram atendidos pelo mercado, segundo apontam dados inéditos da pesquisa Brasil Evangélico, realizada pelo instituto Data-Makers para a recém-lançada consultoria Dolores e publicada com exclusividade por Meio & Mensagem. A reportagem do jornalista Caio Fulgêncio apresenta os principais resultados do estudo online, que ouviu mil evangélicos e 721 não-evangélicos, maiores de 18 anos, de todas as classes sociais e regiões brasileiras, em agosto e setembro.

A pesquisa projeta que, em novembro de 2026, o número de evangélicos deverá superar o de católicos no Brasil, o que concretizaria uma transição religiosa impulsionada pela urbanização do País, ausência do Estado em regiões periféricas e agilidade das igrejas nascerem e se multiplicarem sem barreira de entrada ou burocracia.

O entendimento desse público por empresas e profissionais de marketing e comunicação torna-se ainda mais crucial diante da constatação de que os evangélicos dão muito mais importância à fé no dia a dia, portanto, são mais suscetíveis às mudanças de comportamentos motivadas pela religião e estão mais inclinados a evitar compras por motivos religiosos. Mais influenciados por figuras públicas a gostar ou não de uma marca, são muito mais engajados e dispostos a aderir ativamente a ondas de boicotes. Como são mais conservadores — na política, por exemplo, a maioria (52%) se identifica com a direita — o risco é de que conclusões simplistas direcionem a comunicação a abordagens mais acanhadas e menos contemporâneas. Entretanto, para o bem e para o mal, o desafio que se apresenta é muito mais complexo e exigirá convicção e empenho dos interessados em decifrá-lo.

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