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Opinião

Cuidado com as soluções mágicas para a crise da indústria da mídia

CEO de uma grande empresa de comunicações da Argentina tinha certeza que os próximos anos seriam de enorme recomeço de seu jornal-papel


23 de agosto de 2018 - 11h43

Há poucos dias recebi e-mail muito otimista de um amigo, CEO de uma grande empresa de comunicações da Argentina. Segundo ele, depois de enorme investimento em alternativas digitais – inclusive uma bem montada operação de paywall – seu olhar voltaria ao básico: o investimento no impresso. Ao contrário do que muitos profetas do apocalipse dizem, o executivo tinha certeza que os próximos anos seriam de enorme recomeço de seu jornal-papel.

Perguntei de onde vinha tamanha confiança, quando os números apontam, em seu próprio jornal, a queda de 50% da circulação em sete anos, receitas que se equilibram por vendas de anúncios a governos e uma política de corte de custos que atingiu em cheio a qualidade dos produtos. Ele respondeu: de uma palestra que assisti.

A palestrante em questão é professora/pesquisadora de uma universidade americana, que andou pela Argentina e confundiu a todos com dados que, segundo ela, atestam que não há outro caminho que voltar a investir no papel. Algumas de suas frases (e meus comentários):

“Mais de 25 anos depois do início da transformação digital a maior parte das receitas dos grandes players ainda vem do papel. Então é preciso repensar a estratégia”.
Opa, vamos com calma. Uma a uma as grandes indústrias da comunicação estão provando exatamente o contrário. The New York Times, The Washington Post e The Guardian são só alguns exemplos de meios onde a receita digital já supera aquela vinda do papel.

É verdade que o custo de uma assinatura digital é bem mais baixo que do papel (também o custo de distribuição é quase zero) e o valor (CPM) de um anúncio em papel costuma ser superior ao digital (só que a estratégia de segmentação da audiência digital acaba por corrigir essa distorção). Mas voltar a apostar no papel como principal veículo é ir contra o que a audiência deseja. E sem audiência não há negócio.

“Até agora todos os prognósticos que anunciavam a morte dos diários impressos falharam”.
Tem razão a professora, apesar de muitos fechamentos de marcas pelo mundo. Os jornais impressos não vão morrer, já não se pensa nisso. Mas os impressos precisam, sim, se reinventar, entender o mundo em que disputam audiência, abandonar as breaking news e apostar com força em um novo modelo editorial. Investir no impresso não significa repetir as velhas fórmulas, pelo contrário: é preciso apresentar algo novo, para nichos, com valor agregado e uma excelente apresentação gráfica.

“O tempo de leitura em um meio digital é bastante baixo. Inclusive entre os jovens que, segundo nossas investigações, preferem ler papel que digital”.
Ops, calma lá. Essa informação tem todo jeito de fake news. Escrevi para a professora, questionei esse dado. Ela me enviou o gráfico de um estudo da Nielsen Scarborough (de 2015) que defende essa ideia. Não conheço a metodologia, ou como foi feito a pesquisa. E sigo sem concordar.

“Todos estamos repensando nossas relações com o digital. Voltou à moda os discos de vinil, as polaroides e os livros em papel. Até a Amazon está abrindo livrarias físicas”.
Desde que o mundo é mundo que a filosofia “vintage” existe. Sempre há quem tenha um Fusca 68 para passear no trânsito engarrafado por novos veículos. Eu ainda prefiro um carro mais moderno.

“Eu, pessoalmente, creio que há que se priorizar o impresso”.
Pois eu não, professora. Impresso é uma das tantas ofertas da cesta de produtos que uma empresa de comunicação deve ter para oferecer à audiência e aos anunciantes. Não se deve matá-lo, mas a estrutura não pode ser montada em torno ao impresso. O mundo é maior que uma edição impressa. Afinal, o Fusca 68 corre o risco de ficar parado quando o sinal abrir.

*Crédito da foto no topo: Pixabay/Pexels

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