6 de maio de 2016 - 10h09
E como tudo começou?
Merleau-Ponty nos ensinou que a verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo não apenas com a razão, mas sobretudo com a experiência. Esse conhecimento sensorial que tantas vezes é esquecido por nós, ainda assim, governa nossos corações e nos conduz à delicadeza e à força do sensível. Foi com esse espírito filosófico, que segui para uma experiência imersiva e inédita no Tomorrowland (festival de música eletrônica).
Parti de São Paulo no dia 20 de abril de 2016 e cheguei em Itu no mesmo dia, no local nominado de Tomorrowland. Eu havia sido desafiado por um cliente: tinha que experimentar o universo jovem e sua cultura global, com o intuito de pensar em uma base de dados sobre consumer intelligence. Além disso, tinha que observar a força das mídias, as presenças das marcas e as oportunidades não exploradas pelas agências de propaganda e anunciantes.
Como modelo de Live Experience, o “Tomorrowland” já tem, em sua essência, muito a nos ensinar como profissionais de marketing, comunicação e consumer intelligence. Fatos sobre comportamento do consumidor, encantamento e inovação na condução de ativações da marca e crossbranding saltam aos olhos durante todo o festival.
O Tomorrowland passa a ser, então, muito mais do que uma rave que busca reviver a atmosfera de um universo paralelo pleno de felicidade, alegria e união. Em 2016 habitamos, durante o festival, numa microcidade totalmente funcional: a Dreamville.
Para passar os dias na Dreamville cada participante tinha a opção de escolher um dos seguintes pacotes: levar sua própria barraca, comprar uma barraca exclusiva do evento ou uma experiência VIP com direito a chalé para os jovens não dispostos a uma rotina multo alternativa. E assim, durante os 4 dias do evento, jovens de 65 países conviveram juntos, compartilharam o mesmo banheiro, os mesmos espaços e na simplicidade e no calor celebraram, de modo pacífico, o amor à música.
Experiência e sensibilidade em Consumer Intelligence
Durante o festival observei o quanto a ideia da chave da felicidade (tema ou big idea) foi explorada de todas as formas possíveis. A atmosfera dessa live experience começou em casa, quando recebi uma caixa com a chave dentro. O convite à felicidade chegou em minha casa com um Storytelling estratégico e criativo muito bem posicionado e organizado pelo evento.
A história por trás da chave da felicidade é a de que um grande inventor (entenda como quiser) criou um artificio único capaz de trazer a felicidade a todos que o rodeiam, este artificio foi solidificado em uma chave, a chave para a felicidade. Os participantes eram convidados a usar a chave para destravar a felicidade. Muito pertinente com as abordagens publicitárias contemporâneas: o que importa hoje é “ser feliz”!
O que pude observar entre os usuários do evento, foi uma tremenda disponibilidade para se desconectar de sua realidade, sua mente, seus problemas, trabalho e stress, com a finalidade de se unirem a uma comunidade onde a diversão e possibilidade de conhecerem novas pessoas era o grande centro do microuniverso.
Neste cenário eu pensei – será que estamos realmente entendendo o que esse jovem quer para sua vida? Será que realmente entendemos seu estilo de vida? Acreditamos piamente que essa geração é a geração da conectividade ilimitada, mas, pelo que pude notar, a conectividade foi posta de lado em prol de sociabilidade, parceria e amizade. (um movimento de resistência nascendo aqui?)
Para além da desconexão, um outro grande exercício foi observar a capacidade de auto expressão. Essa individualidade estética surgia por meio de bandeiras, fantasias ou dando espaço para ser quem aquele sujeito queria ser, em um lugar onde você não está sendo julgado pelos seus próximos, embora esteja ao vivo para o mundo inteiro.
Storytelling como experiência estética
A aposta em uma cenografia de ponta aliada a uma estrutura funcional tornou o Tomorrowland uma terra mágica. Não só a parte estrutural (palcos, cenografias, lasers etc.) era estrangeira, mas grande parte do capital humano também, o que possivelmente eleva os custos da execução para a produtora no Brasil. No entanto, a produtora manteve a qualidade técnica e os cuidados nos detalhes contribuindo com o encantamento iniciado com a chave recebida em casa.
Todo o pagamento e comercialização acontecia via Cashless por meio de uma pulseira que ao aproximar da base já realizava o pagamento, não tendo necessidade de levar carteira ou bolsa para o festival.
Os meios de comunicação foram um show à parte. Avessos a proposta de uma tecnologia de conexão contínua, a grande mídia foi um jornal impresso diariamente que relatava todas as novidades do último dia e mais algumas outras notícias de interesse dos usuários. Além do jornal, a música que não parava de tocar e, constantemente, no palco principal, mensagens como: nós somos uma única família, o hoje é um presente e não deixe a magia morrer. As mensagens eram combinadas com uma gigantesca queima de fogos fazendo a mágica acontecer e promovendo uma experiência sensorial completa.
Tendo o jornal impresso em mãos, minha grande pergunta foi: em um momento intensa migração do impresso para o digital, será que as grandes mídias não estão deixando passar possibilidades de desenvolver produtos extremamente segmentados? Ao invés de um jornal com diversos cadernos, será que esse jovem não espera um jornal no seu estilo, promovendo suas afinidades e falando sobre seu universo?
O que se soma a esta percepção de desconexão é a tecnologia e como estes jovens dialogam nessa nova rede, e ainda mais, será que as marcas ganham retorno com ativações sensoriais em eventos como Tomorrowland?
Muitas são as perguntas resultantes desse desafio que me foi feito (e aceito). Saí de Itu e da sua Tomorrowland no dia 23 de abril: voltei para São Paulo e sua rotina exaustiva, mas as inquietações ainda ecoavam na minha mente de pesquisador. Hoje ecoam com mais força ainda, mesmo que não nos faltem pesquisas indicando o poder que o jovem tem na tomada de decisão sobre praticamente tudo.
Depois de tudo que vi e vivi, chego a conclusão de que as sensações e os sentidos são universos que devem ser cada vez mais explorados pelo marketing e pela mídia, por são potentes demais em termos da capacidade de retorno e engajamento que possuem. Afinal, se podemos sonhar com marcas em seu mundo ideal, fidelizadas com a vida das pessoas, também podemos fazer. Caminho este que envolve sim ‘mais riscos’, mas certamente maiores retornos e legado.
Ativações que tem grandes resultados como legado, estas sim são as verdadeiras “chaves para a felicidade”.