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Diversão e descontrole

Marcas de casas de apostas virtuais irrigam mídia e patrocínios esportivos, mas avanço da regulamentação promete tirar a maioria das empresas do mercado e deixar claro que jogo é entretenimento, e não investimento


15 de outubro de 2024 - 14h00

É mais fácil ser atingido por um raio do que ganhar na Mega Sena. Essa é uma das informações que, de tempos em tempos, chama a atenção na internet, especialmente quando o prêmio está acumulado por muitos concursos. Os especialistas ouvidos nessas ocasiões costumam explicar que, embora, ao contrário do jogo, seja um ato que depende não somente do comportamento individual, mas da localização e das condições climáticas, a probabilidade de ser atingido por um raio no Brasil é, em média, 50 vezes maior do que a de acertar as seis dezenas do sorteio.

Apesar disso, muitos de nós continuamos apostando e nutrindo o sonho de ficar rico em um golpe de sorte. Tudo bem, desde que o comportamento não paralise e nem comprometa nossas vidas financeiras. Com os cassinos e jogos de azar proibidos desde a década de 1940 — na ocasião, por postura moralista —, as loterias oficiais, a contravenção do jogo do bicho e os bingos foram, historicamente, os principais meios para extravasar o desejo de enriquecer rapidamente, evitando caminhos mais penosos, como os do estudo e do trabalho.

Desde 2018, quando as apostas online passaram a ser permitidas no Brasil, boa parte desse ímpeto migrou e foi facilitado pelas plataformas digitais de jogos, chamadas de bets. Desde então, as marcas das casas de apostas virtuais se transformaram em um dos setores que mais investem em patrocínios esportivos, em especial no futebol, e compra de mídia no País. Na edição anterior, Meio & Mensagem revelou dado da Kantar Ibope Media, que calculou em R$ 2,3 bilhões o investimento em publicidade de 219 bets, entre janeiro e agosto, confirmando o que já se sabe: qualquer novo segmento precisa da mídia para firmar suas marcas na cabeça do público. Nesse período, com o crescimento exponencial no número de usuários, multiplicaram-se também os problemas relacionados à atividade, como os de associações criminosas, lavagem de dinheiro e exploração do vício. Espera-se que a regulamentação em curso ao menos amenize tais questões.

Especialmente após o Banco Central divulgar que 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família destinaram R$ 3 bilhões às casas de apostas apenas no mês de agosto, o tema tornou-se um dos principais da pauta nacional, e também de Meio & Mensagem. Três articulistas deram suas opiniões em nosso veículo nas últimas semanas: Ian Black (“Quando empresas investem bilhões para glamourizar o vício ao longo do scroll infinito, e não há movimentação significativa da sociedade civil, fica difícil ignorar o incômodo”), Ricardo Fort (“No Brasil, 68% dos 60 clubes nas três principais divisões têm uma empresa de apostas como patrocinadora principal de camisa. Depender tanto assim de uma fonte de renda tão vulnerável a mudanças na legislação é uma receita para problemas”) e Gabriela Rodrigues (“Quando a realidade da educação, do desemprego e da saúde não apresenta possibilidades reais de melhora, o jeito é tentar achar uma saída com as próprias mãos. E é aí que as bets se tornam ainda mais perigosas, porque são aquelas mentirinhas que aceitamos contar para nós mesmos, já que em meio a milhares de chances de perder, há pelo menos uma chance real de ganhar”).

No início do mês, um dos painéis do Maximidia debateu a regulamentação do setor que pretende deixar o ambiente mais seguro para os apostadores e mais saudável para a competição entre as marcas. Nesta edição, o tema é tratado pelo aspecto de negócios, como nova frente de parcerias para os grandes grupos de mídia do País, interessados em atrair audiência e ampliar receitas, e também pela mudança no teor das campanhas publicitárias das marcas, que aderem à temática do entretenimento com responsabilidade em substituição às abordagens mais ostensivas de incentivo ao jogo, ganho de bônus e promessa de enriquecimento ou de lucros similares aos de aplicações no sistema financeiro, com saque rápido. Outra tendência futura é a de as marcas explorarem territórios para além do esporte.

Jogar luz sobre o setor é fundamental não apenas para coibir e punir crimes, mas para que o mercado, relativamente novo, atue de forma responsável e mantenha-se relevante para marketing, mídia e comunicação.

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