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Opinião

Diversidade: o que o Brasil vai fazer nessa encruzilhada?

Tensão na América do Norte enquanto CEOs do McDonald's Brasil, iFood e empresas como Natura reafirmam compromisso com a diversidade


20 de março de 2025 - 14h00

Tenho me perguntado como o retrocesso e as decisões globais acerca da diversidade e inclusão impactam o cenário brasileiro. É perceptível que mudou o zeitgeist (expressão alemã que significa como as pessoas pensam e se comportam em determinado período da história) e que há uma onda conservadora muito forte, mas que não é totalidade. O resultado das eleições nos EUA, um dos grandes focos dessa trend, são KPIs que nos ajudam a compreender que há outras opiniões expressivas: Trump (Republicano) 51% e Harris (Democrata) 47,5% (segundo informações da Associated Press).

Vemos que a diversidade tem sido duramente atacada pelo novo governo americano, que desmanchou um longo e sério trabalho, principalmente atacando a comunidade de imigrantes e LGBTQIAPN+. Durante os primeiros dias de seu governo, Trump anunciou a retirada de mulheres trans dos presídios femininos, a remoção de termos como gay, lésbica, transgênero, bissexual e LGBTQIAPN+ dos sites da Casa Branca e de agências federais e recentemente a proibição de recursos para transição de gênero de crianças e adolescentes menores de dezenove anos.

Em paralelo, as polêmicas com as big techs, entre elas as donas das principais redes sociais, numa aliança que favorece ainda mais o governo Trump, que além de ter maioria na câmara e no senado, agora possui um domínio da comunicação em massa. As redes sociais, há tempos, deixaram de ser apenas ferramentas de conexão e de distração e se tornaram arenas políticas, econômicas e culturais de disputas intensas. O que está em jogo, especialmente no contexto atual, não é apenas a liberdade de expressão, mas a própria definição dos limites éticos e sociais dessas plataformas. No campo das redes sociais, há um movimento global intenso (do qual os EUA não têm interesse) para regulamentar a internet e, assim, diminuir os discursos de ódio. Como A PL das Fake News no Brasil se inspira na Lei Europeia DSA.

Mas por que as big techs estão alinhadas ao discurso trumpista? De acordo com a BBC, as corporações americanas sabem que estamos em um momento de grandes mudanças, e que é muito mais vantajoso aliar-se do que resistir, empresas como Ford, Walmart e Amazon reposicionaram suas estratégias de diversidade nos EUA. De acordo com a Fast Company, a decisão do Walmart de reduzir suas iniciativas de diversidade, equidade e inclusão gerou forte reação negativa em mais de 30 investidores que administram ativos avaliados em US$ 266 bilhões.

Quanto a Meta e McDonald’s, que também tiveram declarações polêmicas lá fora, aqui no Brasil elas têm outro posicionamento. A Meta informou que as recentes medidas valem apenas para os EUA, e o do McDonald’s, Rogério Barreira da Arcos Dorados, master franqueada da rede de fast food na América Latina, deu uma entrevista à Exame na qual disse: “Diversidade e inclusão são pilares fundamentais para o McDonald’s no Brasil, e isso não vai mudar. Aqui, temos total liberdade para manter nossas metas e iniciativas nesse campo”.

Voltando à minha pergunta inicial, percebo que esse retrocesso relacionado à diversidade, principalmente quanto às diretrizes americanas, nada mais é do que uma guerra identitária. As pessoas ou grupos se engajam em debates acirrados sobre o que é considerado “aceitável”, “justo” ou “legítimo” em relação às identidades e diferenças. A guerra identitária pode ser observada tanto em nível nacional quanto global, sendo intensificada com o uso das redes sociais, onde discussões sobre identidade muitas vezes se tornam polarizadas.

Dá pra perceber que existem outros caminhos, como o da Natura, que declarou apoio à agenda de diversidade e citou “Não há mais tempo para retrocesso”. Junto à Natura, outras empresas também se manifestaram positivamente, como as norte-americanas, Apple, Ben & Jerry’s, JPMorgan e Pinterest; e, no Brasil: Carrefour, C&A, Coca Cola, e iFood. “A gente continua acreditando que diversidade impacta o negócio e crescimento”, disse Diego Barreto, CEO do iFood.

Recentemente várias organizações, entre elas Movimento Mulher 360, Instituto Ethos e Mover, divulgaram um manifesto com mais de 700 empresas em defesa da diversidade. De acordo com o Valor Econômico e o Você RH, especialistas acreditam que o Brasil tem condições de liderar globalmente a pauta.

Não tem como negar que no cenário econômico, este retrocesso em relação à diversidade tem um peso considerável, mas não está sustentado diretamente em resultados de negócio. A proibição de recursos para transição de gênero de crianças e adolescentes menores de 19 anos, representa uma parcela relativamente pequena do orçamento total de saúde. Portanto, a economia resultante da retirada desses recursos provavelmente será mínima em comparação com o orçamento geral de saúde do país, mas é importante notar que a medida pode ter implicações significativas para a saúde e o bem-estar de jovens transgêneros que buscavam esses tratamentos. Um ambiente inclusivo intencional sugere melhores resultados de negócio na atração e retenção de talentos, menores riscos legais, acesso a recursos e empréstimos com menor juros, melhores resultados de serviços e produtos.

“Não existe negócio que possa se dizer sustentável e que, ao mesmo tempo adoece e ameaça suas pessoas por descuido e falta de compromisso com condições mínimas de saúde e equidade para quem o compõe. É preciso colocar o cuidado na prática, materializar condições de trabalho dignas, gerar impactos positivos para o trabalho e a vida, diminuindo sofrimentos físicos e psíquicos associados ao trabalho”, comenta Juliana Bley, empresária B certificada, psicóloga do trabalho especializada em Saúde e Segurança e Cultura de Cuidado no Trabalho.

Já Margareth Goldenberg complementa: “(…) Mulheres na liderança têm fortalecido o combate a culturas tóxicas, competitivas e que não valorizam as diferenças. O que é justo para as pessoas leva a melhores resultados para o negócio”. E dependendo do nicho de mercado, diversidade é tendência forte entre consumidores (qualquer leitura rápida nos relatórios de tendência da WGSN dos últimos anos auxilia nessa compreensão). Tanto é que, de acordo com a BBC, o Mark Z. disse que “A única maneira de resistir a essa tendência global [falando sobre diversidade] é com o apoio do governo dos EUA”.

No Brasil, nossa inclinação está mais próxima da Europa, especialmente em termos de direito, economia e desenvolvimento. A Europa segue forte com a agenda ESG, e aqui temos leis e precedentes judiciais que protegem a comunidade LGBTQIAPN+, pessoas negras e outros grupos minoritários contra discursos de ódio. Embora uma pesquisa realizada pela OCDE indique que o Brasil tem o pior índice de capacidade para identificar notícias falsas, o país tem mostrado resistência a mudanças regressivas nas políticas de redes sociais. Em recente declaração, o ministro do STF Alexandre de Moraes reafirmou que, para operar no Brasil, as empresas devem obedecer à Constituição. Discriminar alguém por sua identidade de gênero ou orientação sexual, sua cor/etnia, é crime!

A Beatriz Santa Rita organizou algumas das leis que refletem os avanços em DEI por aqui: Lei de Cotas: 8,213/1991, Estatuto da Igualdade Racial: 12.288/2010, Lei de Prevenção ao Assédio e Violências de Gênero: 14.457, Lei que determina obrigatoriedade de coleta sobre etnia/cor no mercado: 14.553/2023 e a mais recente, a NR 01, que responsabiliza as empresas por ações relacionadas a saúde mental no ambiente corporativo.

Quer saber como conduzir o momento atual de DEI na sua empresa? Aproveito pra compartilhar o Guia “DEIP não vai acabar: guia prático para lideranças de negócios no Brasil”. O documento reúne diretrizes estratégicas, dados e boas práticas para que empresas e lideranças transformem diversidade em vantagem competitiva e impacto social positivo.

Parafraseando Simone de Beauvoir, os direitos não são uma conquista definitiva, mas algo que deve ser constantemente monitorado. Ainda assim, o futuro depende do contexto político, especialmente com as eleições de 2026 no horizonte. A aprovação do PL das Fake News pode se tornar um marco na regulamentação digital, e há avanços significativos do BRICS, que sugere um novo posicionamento econômico global e uma possibilidade real de o Brasil liderar o tema de DEI global, mas o risco de retrocessos permanece constante. Como também destacou Beatriz Santa Rita, CEO da Diverse Soluções: “É tempo de seguirmos avançando com consistência, pois no Brasil ainda há muito a fazer, e as empresas são espaços privilegiados para impulsionar essa transformação”.

Imaginar o futuro do trabalho sem considerar ESG tornou-se impensável. Culturas organizacionais que promovem diversidade e impacto positivo são essenciais para um mundo mais justo. A história, cíclica por natureza, nos coloca a responsabilidade de decidir os rumos que queremos para o futuro. Que possamos escolher um caminho de equidade, justiça e transformação social.

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