Dos recantos do Brasil para o mundo

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Opinião

Dos recantos do Brasil para o mundo

A cultura brasileira ganha espaço e tem urgência de prioridade nas pautas ESG


17 de julho de 2024 - 6h00

Projetos culturais são ferramentas de transformação social e têm leis de incentivo. Por que não usar?

Está no atual repertório de estudo dos empreendedores culturais o padrão ESG das empresas. No século 21, não há sombra de dúvidas sobre a relevância de temáticas como a responsabilidade com o humano, o que abrange conceitos de território, raça e gênero. Sendo a cultura um direito constitucional e motivadora de tantas transformações sociais para um futuro melhor, é urgente que a questão do patrocínio cultural seja pauta nas empresas, para além de seus relatórios formais e que haja pessoas qualificadas para discutir e elaborar suas diretrizes de investimento. O compromisso com a cultura brasileira, com os artistas e os trabalhadores da economia da cultura é benefício para o setor, para a empresa patrocinadora e para o Brasil.

A economia criativa representa 3,1% do PIB nacional e emprega 7,4 milhões de pessoas. Ainda não há como medir todos os impactos positivos gerados pela Lei Rouanet, a lei 8.313/92, que sistematizou o patrocínio a projetos culturais no Brasil com incentivo fiscal. Muita gente não sabe, mas a Lei Federal de Incentivo à Cultura (LIC) é composta de três mecanismos e não apenas do Mecenato, que é o formato do patrocínio através das empresas. Os outros dois são o FNC, o Fundo Nacional de Cultura, que tem várias fontes de receita, para o qual as empresas também podem doar e é a partir dele que também são realizados editais públicos. E o terceiro mecanismo, o FICART, a modalidade de financiamento, que acaba de ser aprovada no Senado, ainda não regulamentada.

O Mecenato oferece até 100% de isenção no IR para os incentivadores, que aportam recursos nos projetos aprovados pelo MinC, no limite de até 4% do IR devido. Mesmo assim, há um universo de cerca de 4 mil incentivadores na lista de patrocinadores/doadores, dos quais quase metade está na região sudeste. Ainda achamos pouco, mas temos que comemorar cada vitória. Em 2023, a renúncia fiscal total foi de R$ 2,3 bilhões. Destes, os 50 maiores investem cerca de R$ 1 bi, mais de 40% do valor disponível, dentre as maiores estão as marcas que estão sempre destacadas entre as mais valiosas do mercado, como Itaú, Nubank, Bradesco, Petrobras, Vivo e o Banco do Brasil. A Vale esteve na primeira colocação há anos, mas com o último edital da Petrobras, terá que aportar mais recursos para se manter na liderança.

Hoje, a subsistência do produto cultural brasileiro basicamente depende das leis de incentivo, do Sesc, SESI, de verbas estaduais, municipais e algumas instituições que ainda preservam editais de seleção pública com recursos próprios. Estamos falando desde a Bienal de São Paulo, passando pelas orquestras, da restauração de patrimônio histórico, do carnaval, dos festivais, até todas as peças teatrais. E dos equipamentos culturais, um dos grandes gargalos da distribuição de projetos, por exemplo, são os teatros em más condições técnicas, com equipamentos obsoletos. Mesmo uma grande capital como o Rio de Janeiro, tem apenas seis teatros de grande porte.

A participação das empresas privadas no universo cultural tem sido ainda pouco percebida e essa é uma grande discussão que precisamos fomentar. Claro que não estamos falando dos eventos proprietários e ações de marketing das empresas que em alguns casos nem deveriam ser tratadas como patrocínio cultural. Há uma sensação de pouco acesso e pouca clareza das políticas de patrocínio das empresas de forma geral, mas principalmente daquelas que ainda não foram tocadas pela potência do impacto social desse investimento e, porque não dizer, de todos os benefícios de imagem em ações de relacionamento, endomarketing, ativação e o que mais a criatividade permitir.

Quantas vezes, em reuniões com diretores importantes e até presidentes de empresas, ouvi que conversar sobre arte e cultura era o “momento bom do dia”. Ficam perguntas por fazer, a cada vez que inicio um diálogo com a pessoa responsável pelo marketing de uma empresa, responsabilidade social, patrocínio ou ESG, por isso a necessidade de uma agenda, afinal, quem está perdendo a oportunidade? Todos perdem, mas principalmente a sociedade, em beleza, vida saudável e na consequente transformação social que uma simples ação de patrocínio cultural pode proporcionar. Fica aqui o desafio: pratiquem. E não deixem de divulgar suas políticas e realizações.

Usar as leis de incentivo é muito simples e seguro. Há formas básicas de entender a capacidade de realização do produtor cultural, estabelecer parâmetros de contrapartidas alinhadas com o permitido nas instruções normativas e entregas de relatórios. Ou seja, há mais motivos para dizer sim!

A força da cultura brasileira mundo afora não tem investimento privado

Tenho tido o privilégio, como profissional da cultura, de acompanhar esse momento de novos olhares para o Brasil e o interesse mundial pela nossa história e identidade. Estive presente em um encontro em 2023 em Madri, Espanha, de onde saíram alguns protocolos de parcerias com organizações ibero-americanas que são fundamentais como ponte para internacionalização de projetos. O mesmo aconteceu em Santiago, no Festival Teatro a Mil, que em janeiro de 2024 assinou um protocolo com a Fundação Nacional de Artes (Funarte) para 2025. Aliás, o próximo ano terá um calendário robusto, com tributos em vários países, dentre eles o ano do Brasil na França, cuja expectativa é de uma farta programação de produções nossas, incluindo uma mostra especial no maior festival de teatro do mundo, o Festival d’Avignon. Na região norte, a COP 30 vai modificar as estruturas do Pará e o mundo estará com os olhos voltados para a Amazônia e a sua cultura.

Acabamos de ver criativos da publicidade com diversas premiações em Cannes, assim como o audiovisual. No teatro, a diretora e dramaturga Christiane Jatahy foi a primeira artista brasileira a receber o Leão de Ouro da Bienal de Veneza, em 2022, e hoje suas obras estão circulando pela Europa. Além disso, a diretriz de nacionalização imputada pela Ministra Margareth Menezes ao mercado, já está surtindo efeito e começamos a ver os circuitos intra-territórios acontecendo, com intercâmbios importantes entre regiões, estados e municípios no país.

A cultura brasileira é fascinante! Na definição de Gilberto Gil: “Cultura como tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto que produzimos, transcende o meramente técnico. Cultura como usina de símbolos de um povo. Cultura como conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação. Cultura como o sentido de nossos atos, a soma de nossos gestos, o senso de nossos jeitos.”

Há um esforço de Estado muito grande em fazer um investimento na cultura brasileira, não só admirada, mas consumida pelo mundo como uma das melhores e, sendo assim, recuperada a nossa imagem externa, é ela, a cultura que faz o grande movimento de internacionalização de projetos culturais brasileiros, em diversas áreas como o teatro, a música e as artes visuais. A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro lançou um edital para a Colômbia, em uma cooperação com diversos festivais, de vários segmentos culturais, que plantará uma forte semente de colaboração entre os dois países.

A cultura brasileira é o nosso branding e os produtos culturais são os melhores veículos que fazem essa comunicação com públicos diversos, ávidos por experiências sensoriais, ao vivo, interativas, humanas, dentro ou fora do Brasil. Afinal, quem vai esquecer de ter visto Fernanda Montenegro no teatro? Ou Chico Buarque com Mônica Salmaso ao vivo, ele com receio de errar um acorde? E a memória do Museu Nacional, cujas cinzas foram guardadas por alguns funcionários e frequentadores? Quem não teria orgulho de patrocinar uma peça que viria a ganhar vários prêmios e fazer parte de circuitos internacionais? E uma experiência inesquecível de beleza e reflexão? Essas vivências passam a fazer parte de nossa memória afetiva, impregnada em nosso DNA, são necessárias para a manutenção da saúde mental e tão importantes como qualquer vitamina D para o corpo sadio.

Faltam chegar os investimentos da iniciativa privada, para artistas e produções brasileiras que carregam esse universo simbólico e representativo do País, fortalecendo assim a marca Brasil no mundo. Somente nos últimos anos, o olhar para a estruturação de políticas de internacionalização cultural foi retomado. É uma lacuna a participação de patrocinadores privados em um nicho importante e estratégico, que também pode ter projetos pela Lei Rouanet. Fica a dica de uma boa oportunidade de ampliação de fronteiras.

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