DPRK, um país sem internê
Como é a massacrante propaganda do comunismo inserida na marra na mente dos cidadãos da Coreia do Norte
Como é a massacrante propaganda do comunismo inserida na marra na mente dos cidadãos da Coreia do Norte
Bem, acredite, usuário do Pokemon Go, esse é o menor dos problemas da Coreia do Norte. Depois de quase uma década esperando a oportunidade e o momento certos, a caminho do Clio Awards em Bali, dei uma desviadinha para conhecer a casa do líder camarada Kim Jong Un. A princípio, o que parecia antagonismo completo, julgar um prêmio capitalista e visitar o mais fechado dos comunismos, acabou se tornando uma experiência bem semelhante. Afinal, tudo em Pyongyang e arredores é sobre propaganda.
É um verdadeiro massacre mental e emocional em prol da filosofia Juche e contra o imperialismo dos Estados Unidos, país que, segundo os coreanos, foi massacrado, humilhado e pisoteado por suas botas logo após a Segunda Guerra.
Entrasse confuso, deixasse o lugar confuso e meio. E olha que passei mais de um ano estudando, lendo e assistindo a tudo que existe de autorizado e não sobre lá. Infelizmente, turistas que adentram o país pagando uma bela fortuna de dólares sustentam o caixa do Partido dos Trabalhadores e, consequentemente, as excentricidades do Chairman of the Workers’ Party of Korea, Chairman of the State Affairs Commission of the DPRK and Supreme Commander of the Korean People’s Army, e só têm acesso ao teatro programado de prosperidade. Atente-se que é com todas essas nomenclaturas, saídas de um manual barato de publicidade, que a população e o até influente The Pyongyang Times têm que se referir ao modesto Kim Jong Un. Obviamente, para não correr o risco de ganhar uma passagem só de ida para um dos muitos campos de concentração espalhados pelo norte do país.
Voltando à parte central deste texto, a propaganda do Partido é massacrante. Excetuando-se o belo trabalho de graphic design das peças que revelam a influência do traço construtivista soviético, o brand content é de uma chatice atroz, sendo bem publicitês.
Enquanto os imperialistas conquistaram o planeta exportando a cultura do entretenimento e seu delicioso e superficial way of life, seja qual for a sua forma de consumo acelerado e exacerbado, o antigo e poderoso sistema comunista russo ou chinês e, agora, o coitado norte-coreano sempre obrigaram seus liderados a consumir sua filosofia de governo como única forma pública de expressão e diversão. Pois, de outra maneira, ela não desceria goela abaixo nem do mais ignóbil camarada que chora copiosamente sempre que um dos Kim passa desta para uma pior.
O maldoso brilhantismo da propaganda socialista inserido na marra na mente dos cidadãos, aqueles poucos com os quais um turista tem acesso, forjou naquele simpático povo miserável e sem YouTube nem Facebook a mágoa de viver em um território dividido ao meio por culpa unicamente dos sanguinários ianques. Em vista disso, resta aos cidadãos do Norte, e também aos “manipulados” irmãos do Sul, o sonho da união, hoje inalcançável graças ao bloqueio cruel e hipnótico dos americanos. Olha aí um exemplo de Brand Entertainment da melhor qualidade, mas da pior estirpe.
Uma meia verdade, transformada em verdade política e elemento ácido de manobra. Não obstante, o país transborda raiva, angústia, marasmo e espera que o grande e corajoso pai da população, aquele ser com visível sobrepeso, mas que, dizem, nunca urina nem defeca, o líder supremo, um dia resolva esse impasse.
No final da viagem pelo Hopi Hari decadente do socialismo, a minha única certeza foi a de que a queda de braço que a China e a Rússia travaram, e ainda travam, com os americanos por esse pedaço de terra condena mais de 20 milhões de pessoas a se alimentarem de libélulas, gramíneas, recolherem as próprias fezes para adubagem, varrerem estradas ermas e a encararem pequenas cirurgias sem a tão rara anestesia: uma remoçãozinha de apêndice, por exemplo.
E pior: todo esse imbróglio ficcional criou uma geração de líderes tiranos e sangrentos que defendem através do culto à personalidade o sonho da revolução socialista, mas se fartam, às escondidas, das guloseimas do capitalismo.
Um país monotemático, corrupto, triste e solitário, estacionado entre as décadas de 1960 e 1970. Uma subnação congelada no passado burocrático e pendurado nas costas largas do Estado, mas com medo da mão pesada dele. Não obstante, vizinho de uma potência que criou a Samsung, a LG, a Hyundai, a Kia e ganhou mais medalhas que o Brasil nas Olimpíadas.
Os dois canais de TV mostram horas e horas de feitos heroicos do Partido e do líder supremo. Os outdoors por toda a cidade trazem viscerais imagens da revolução. Museus gigantescos e milionários contam a versão vitoriosa do Norte na guerra contra o Sul, os EUA e o Japão. Maços de cigarro vangloriam o vício do socialismo. Musicais e peças de teatro enobrecem as inigualáveis maravilhas do território e seu povo escolhido. As imagens de fundo dos karaokes trazem tanques de guerra ultrapassados e os 3 semideuses supremos altivos e sorridentes. Livros, jornais e revistas contam estórias fabricadas no Departamento de Propaganda e Agitação do Partido. Por toda a cidade, enormes monumentos que olhariam de cima o Cristo Redentor exaltam os 3 personagens centrais da revolução: o camponês, o trabalhador e o intelectual. Às vezes, acompanhados do 4º, o militar.
Qual o custo de tanto marketing? Qual o ROI dessa brincadeira toda? Seria a mídia programática mais eficiente do planeta? Atinge o público certo, no lugar certo, com a mensagem certa, no momento certo. E todo mundo compartilha e dá like psicológico.
Só o tempo e o interesse das grandes potências vão mostrar se manter uma base com 30 mil americanos no lado do Sul e um arsenal atômico soviético no lado do Norte vale o custo em dólares e em vidas perdidas pela tortura, medo e pela fome.
Mas uma coisa é certa: mesmo considerando todos os defeitos e as desigualdades sociais resultantes do capitalismo selvagem, um sistema que desconsidera a diferença básica existente entre os seres humanos, do ponto de vista de vontades, necessidades, sonhos, competências, talentos etc., não merecia mesmo perseverar. E não merece.
Por incrível que pareça, a nossa tão criticada propaganda e o rejeitado conteúdo publicitário têm participação fundamental no fortalecimento e no fomento da imprensa livre e independente e, atualmente, com a força dos canais digitais, na manutenção da liberdade instantânea de expressão dos cidadãos, de povos e de países inteiros. A publicidade já não pertence às grandes marcas, hoje ela pertence a todas as pessoas.
Espero que um dia o Google consiga entrar naquele pedaço de terra cinza esquecido da sociedade de consumo. Porque smartphones eles têm, só falta a conexão e o aterrorizante, mas democrático, Adblock Plus. Aí, quem sabe, um dia eu volto lá para ver o Festival Arirang e seus mais de 100 mil participantes dando um show mais bonito que quaisquer jogos olímpicos. E, se tudo correr bem, ainda posto no meu Instagram. Ah, os meus guias norte-coreanos não tinham a mínima noção de o que era PSY e o Gangnam Style. Fica aí uma informação positiva para terminar.
Compartilhe
Veja também