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Opinião

É preciso frear a IA?

Velocidade com a qual avançam as aplicações da inteligência artificial assusta parte da indústria, mas há marcas e agências "encantadas com a nova invenção", abrindo caminhos nessa jornada de desdobramentos imprevisíveis


18 de julho de 2023 - 14h00

No centro das discussões sobre mensagens criadas com a ajuda da inteligência artificial estão ainda os direitos autorais (Crédito: Divulgação)

Uma das vozes mais cativantes da música brasileira, Elis Regina segue emocionando e conquistando novos fãs, mesmo mais de 40 anos após sua morte. Artista completa, ela se fez não só pelas interpretações marcantes, mas pela postura audaciosa que influenciou gerações. Seu poder de mobilização se comprovou vivíssimo no início do mês, quando estreou o comercial que celebra os 70 anos da Volkswagen no Brasil. No filme, Elis, que morreu em 1982, divide com sua filha, Maria Rita, os vocais de Como Nossos Pais, de Belchior, lançada em 1976. A presença de Elis foi possível pela captação de cenas de arquivo e sua reprodução sobre a imagem de uma atriz, por meio da técnica deepfake.

Quem poderia imaginar que seria Elis Regina dirigindo uma Kombi a responsável por jogar querosene no debate público nacional sobre inteligência artificial? A velocidade com a qual as aplicações da tecnologia avançam assusta parte da indústria de comunicação, marketing e mídia. Ato contínuo, engrossa o coro dos que pedem regulação já! Na semana passada, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária abriu processo de avaliação do filme da Volkswagen para julgar se é ético deixar a inteligência artificial trazer uma pessoa falecida de volta à vida e se a prática respeita a personalidade retratada e está de acordo com o preceito da veracidade.

No centro das discussões sobre mensagens criadas com a ajuda da inteligência artificial estão ainda os direitos autorais — que, no caso do filme de Volkswagen, parecem de acordo com a legislação brasileira. Na publicidade — e na comunicação, de maneira geral — a questão da originalidade tem uma perspectiva complexa e particular, pois a atividade é, tradicionalmente, um terreno fértil para a reciclagem de ideias, enredos, abordagens e estratégias.

Em contrapartida, um dos usos esperados da inteligência artificial, inclusive em festivais de criatividade, é a capacidade de checar com rapidez o quão original é uma ideia. Outra aplicação, debatida na reportagem da jornalista Taís Farias, nas páginas 12 e 13, é o impulso a um recurso tradicional em alta na publicidade: a nostalgia, que ganha novas possibilidades de execução e resgates históricos.

Além de não haver uma conduta ética predefinida, a problemática de se regular algo que ainda nem se sabe bem como usar é desafiadora. Com o mundo longe de um padrão global, o Parlamento Europeu é o fórum mais avançado no assunto e pode aprovar, nos próximos meses, um conjunto de regras para uso de inteligência artificial, movimento que motivou uma reação de grandes empresas com sedes na Europa, que se juntaram para se manifestarem contrárias à rigidez da proposta, alertando que pode afastar investimentos. Nos Estados Unidos, houve até uma carta aberta assinada por lideranças da indústria pedindo uma pausa temporária no desenvolvimento avançado de inteligência artificial para que seus riscos possam ser melhor avaliados.

Entretanto, o entusiasmo dos anunciantes e agências “encantados com a nova invenção” pode ser medido por um dado revelado pelo Wrap-Up Report oficial do Cannes Lions: 7,3% de todas as inscrições de cases no festival deste ano mencionaram inteligência artificial em suas sinopses, em comparação com os 3,7% do ano anterior. O crescimento mostra, além do encanto com a novidade, que as marcas creem que a tecnologia pode ajudar a impulsionar os negócios e auxiliar o desenvolvimento de projetos criativos. Seu defensores apontam entre as utilidades que já se consolidam o poder como ferramenta de experimentação e para destravar os criativos, ajudando-os a encontrar um ponto de partida quando estão diante de uma página em branco.

Entrevistado da edição semanal de Meio & Mensagem há 15 dias, o CEO global do McCann Worldgroup, Daryl Lee, descreveu a inteligência artificial como um animal selvagem que não deve ser solto. Ele também não crê que poderá substituir a criatividade, porque “criatividade artificial” não funcionaria. Neste momento inicial, de fato, são as mentes mais criativas e curiosas que abrem caminho nessa jornada de desdobramentos imprevisíveis. É delas que pode exalar outra IA, por enquanto mais poderosa do que a artificial, descrita por oradores e anotada no report do Cannes Lions: a imaginação audaciosa.

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